Quando chega ao Centro de Ciência do Café, junto à fábrica de Campo Maior, Rui Nabeiro é de imediato rodeado de pessoas. De colaboradores, de clientes e de crianças em visita de estudo. Todos o querem cumprimentar, tirar uma fotografia. A todos responde, com um sorriso, uma palavra, um aperto de mão. A disponibilidade e a afabilidade mantêm-se ao longo da entrevista e da sessão fotográfica. Fala da empresa que criou, de como tem resistido às propostas de multinacionais, mas fala sobretudo de si, do seu modo de ser e de estar na vida e nos negócios.
Briefing | Como gosta de ser chamado? Senhor Rui ou senhor comendador?
Rui Nabeiro | Não tenho essa preocupação. Há muita gente que tem comendas, mas a quem não chamam comendador e, no meu caso, até chamam… Mas, se viermos aqui à fábrica, se andarmos pela rua, onde quer que seja, em Campo Maior e não só, sou o senhor Rui. O que realmente mais me toca é de facto, para as pessoas da minha geração e para as das seguintes, ser o senhor Rui. Porque para os meus pais e os meus avós era o “meu Rui”. E eu sou Rui porque a minha madrinha tinha um irmão que se chamava assim e por quem ela sentia muita amizade. Mas o meu padrinho queria que eu fosse Manuel, como ele. O Manuel ainda se aplica, mas no lado dos espanhóis, onde sou Dom Manuel. Mas aqui é mais senhor Rui. Se formos ao centro escolar, assim que chego, os mais pequeninos, com três anos, começam logo a gritar “Vem aí o senhor Rui”. É-me familiar. Dá-me gosto. Não digo que não me chamem senhor comendador, mas não é aquilo a que estou verdadeiramente habituado.
Essa familiaridade é muito importante?
Sim, gosto do contacto, da proximidade. Faz com que o mundo seja melhor. Nessa área, tenho coisas maravilhosas, clientes, amigos… A minha vida tem sido essa, conquistar uma situação comercial e conquistar amizades. Tenho clientes com muitos e muitos anos, porque inventei sempre algo para estar próximo deles. Hoje, são os convites para virem à fábrica e à adega ou, aqui, ao Centro de Ciência do Café. Mas, a seguir ao 25 de Abril, tivemos um período em que os convidávamos para caçar. Juntávamos milhares e milhares de pessoas. E não há dúvida nenhuma de que foi uma mais-valia para a nossa empresa. Já são quase 88 anos de vida [a 28 de março] e muitos anos de proximidade. Ofereço a minha proximidade e isso traz-me o privilégio da amizade. Penso que a semente que lançamos à terra sempre colhe. Não é uma arte, é uma dádiva da providência.
Construiu uma das maiores empresas portuguesas e é um empresário de sucesso. Ainda se sente um homem do povo?
Sinto, porque a minha origem é muito humilde. Sinceramente, tenho o privilégio de não me esquecer da minha origem. Porque há muita gente que, depois de ser, já não o é. A minha afirmação permanente é que, quando se atinge o suficiente para se servir a si próprio, se deve servir mais alguém. Tenho a obrigação de recordar como a minha mãe viveu, de pensar como o meu pai. Os meus pais acreditavam que eu ia fazer alguma coisa, porque estava sempre disponível, não era uma criança que só quisesse brincar. Jamais esquecerei de onde vim, embora isso não tire valor ao que tenho hoje. Mas, sinto uma obrigação que vem dessa criação. E só peço todos os dias – e tenho muita gente a pedir por mim – que esteja cá mais tempo.
Os seus filhos já nasceram num contexto diferente do seu. Que valores lhes transmitiu, o que lhes incutiu da sua experiência?
A vida muda-nos sempre, como todos sabemos, mas o que transmiti aos meus filhos e que os meus filhos transmitem aos meus netos é que não podemos esquecer o que fomos. Nem nos podemos esquecer de distribuir, temos de saber distribuir, criar situações para que as pessoas vivam melhor. Esta terra não é a mesma terra onde nasci e cresci. Na nossa casa, temos 1700 pessoas só de Campo Maior, há uma freguesia aqui ao lado onde toda a gente trabalha aqui.
De onde vem essa necessidade, essa vontade de distribuir?
De onde me vem? Tem muito a ver com a forma como fui lançado na sociedade. Tive sempre muito carinho dos meus familiares, deixaram-me caminhar. A grande carência deste mundo é que as pessoas pensam que conseguiram tudo sozinhas, não admitem que outros lhes abriram portas. E eu abro portas para as pessoas criarem coisas. Tem a ver com a minha origem, mas também é uma questão de cultura própria. Na guerra civil de Espanha, eu estive na retaguarda a distribuir meios, a facilitar a vida a quem era afetado. Havia muita miséria na altura. Por isso, essa necessidade de distribuir vem-me da grande escola da vida.
É por isso que não gosta que digam que construiu um império ou que está entre os homens mais ricos de Portugal?
Sim, e com os prémios é a mesma coisa. Fico feliz, mas não é uma felicidade exuberante, que me leve a pensar que sou diferente. Sou igual. Tive foi, de facto, uma formação humana que me permitiu fazer um bom trabalho, que está agora a ser reconhecido. Fico muito agradecido, mas envaidecido nunca. A vaidade não tem lugar na nossa casa. Mas orgulho tenho, orgulho todo o homem deve sentir. Não é pecado, pelo contrário. Neste mundo, precisamos de orgulho e de ambição. Esquecemo-nos que, se deixarmos cair, temos de nos baixar para apanhar e recuperar. Seja na economia de uma casa, seja na economia de um país.
Sempre foi assim?
Eu nasci em 1931 e em 41, na colónia de férias, já era escolhido como monitor, porque viam que eu não tirava, eu arrumava. E em 42 recebi o primeiro prémio. Na instrução primária, era a mesma coisa, o meu professor deixa-me encarregado. Não me esqueço desses pormenores, porque tudo isso tem influência.
Sente-se um líder?
Penso que sim. Não quero derrubar as minhas afirmações de humildade, mas seria uma imodéstia da minha parte dizer que não. Consegui conquistar e quem consegue conquistar é líder. E eu consigo conquistar os nossos colaboradores, os amigos, os clientes. Na rua, sou olhado como tal e, no meu percurso de vida, sou confrontado com muitas razões para me considerarem assim, mas isso não me deslumbra, não muda a minha atitude. A liderança de uma pessoa deve ser a sua forma de estar. E, com a graça da providência, como digo, tem-me acontecido e tenho tirado partido, no sentido da amizade, da dedicação. Não vou dizer que não sou aquilo que as pessoas me vão catalogando como sendo.
Pode ler a entrevista na íntegra na edição B115 da Briefing.
Fátima de Sousa