O que consumimos? Coca-Cola ou a hipótese de felicidade?

O que consumimos? Coca-Cola ou a hipótese de felicidade?

Mais do que as qualidades de um produto, o que move o consumo são as expectativas e as crenças que esse produto evoca. A opinião é do publicitário Rodrigo Leitão e consta do livro que acaba de lançar com chancela da Editora Sílabo – “Grandes expectativas – o efeito placebo das marcas”.

Em entrevista ao Briefing, Rodrigo Leitão explica como chegou a este conceito e sobre o impacto do efeito placebo nos consumidores, nos marketeers e nas próprias marcas:

Briefing | “Grandes expectativas” é o título do seu livro. Grandes expectativas de quem? Das marcas, dos marketeers, dos consumidores? De todos?
Rodrigo Leitão | É curioso o modo como formula a questão. Indicia aliás um dos fenómenos centrais reportados no livro. Ao destrinçar a marca do marketeer e do consumidor, está também a encará-la como uma entidade com vida própria, carregada de valores e emoções. Essa tendência é na verdade tão generalizada que nalguns casos as marcas até já se emanciparam da funcionalidade do produto em prol de uma utilidade puramente conceptual. A Coca-Cola há muito que deixou de ser apenas um refresco de cola para representar agora a hipótese anunciada de felicidade. A questão que então se poderia colocar é ‘o que é que nós consumimos’? O refresco ou a ideia de felicidade? Gostaríamos de acreditar que é o refresco, mas a fidelidade jurada dos consumidores à sua cola preferida quando a concorrência apresenta um produto quimicamente muito semelhante permite-nos especular que o que está em causa já não são as propriedades do produto mas os valores que lhe atribuímos. Dan Ariely sugere que terá sido o excesso de oferta e a decorrente facilidade com que suprimos as nossas necessidades a levar-nos a canalizar o nosso ímpeto por uma vida melhor para o consumo de ideias. Desejos esses que se tornam expectativas: do consumidor em relação às marcas; das marcas em relação aos consumidores.

Briefing | O que o levou a concluir que, mais do que as qualidades do produto, o que conta são as expectativas, as crenças que o produto evoca?
RL | Antes de mais temos de ter presente que a expectativa que motiva a compra e a satisfação reportada após consumo são fases diferentes na experiência de consumo. Na primeira fase penso que será consensual afirmar que são as crenças de uma contrapartida utilitária a determinar a opção de compra (compramos uma bebida energética porque acreditamos que nos irá revitalizar o corpo e a mente). Essa crença, sendo um cálculo de probabilidade, é por demais subjetiva. Veja-se o caso do Euromilhões. A alta improbabilidade de sermos milionários não desmotiva a adesão em massa ao produto. Quer isto dizer que as propriedades do produto são com certeza um bom indício de probabilidade, mas não só não são os únicos indícios como poderão nem ser necessários. A alta probabilidade de se obter uma contrapartida pode ser sugerida pelo preço a que o produto é vendido, pelo testemunho rendido de terceiros, pela insinuação de que existe uma fórmula secreta, etc..
A preponderância que as crenças assumem na opção de compra acaba por determinar a própria experiência de consumo. Num estudo apurou-se que os descontos de preço numa bebida energética levaram os participantes a crer que o produto era de pior qualidade. Estes acabaram por resolver menos puzzles do que os que tinham adquirido a bebida ao preço normal e do que os do grupo de controlo, que não tinham bebido nada. Noutro estudo, a alta motivação para beneficiar do poder energizante de uma bebida foi suficiente para que os participantes, ao beberem uma versão placebo, registassem um aumento na pressão sanguínea, melhorassem os seus reflexos e o seu estado de alerta mental. Consoante as crenças que o produto evoca o consumidor criará a perceção de que o benefício irá ocorrer ou não.

Briefing | A que chama exatamente efeito placebo das marcas? E é positivo para as marcas ou nem por isso?
RL | O efeito placebo das marcas é uma constatação. É o reportado desfasamento entre a experiência de consumo e as propriedades do produto. Ocorre pela nossa propensão em conceptualizarmos o consumo e pelo cariz persuasor das crenças pessoais. Até porque muitas vezes nem temos meios de saber se o benefício ocorreu. Quando bebemos um café como é que sabemos se a cafeína surtiu efeito?
Para as marcas o fenómeno é antes de mais um wake-up call. Se o benefício de um produto é apenas uma probabilidade, a sua responsabilidade principal será o de servir os indícios que sugiram a alta probabilidade da sua ocorrência, não vá o consumidor incorrer em erros de perceção. Um desconto de 50 por cento no preço poderá sugerir à pessoa que o produto afinal não é tão bom, apesar das eventuais campanhas publicitárias que celebravam os méritos do produto. O modo como uma loja está decorada poderá consubstanciar ou amputar as expectativas que haviam sido geradas.

Briefing | Como devem os marketeers e os criativos explorar esse efeito? O trabalho fica facilitado ou é dificultado?
RL | A meu ver essa tendência das pessoas em conceptualizar o consumo são boas notícias para as marcas. Não só abre espetro da sua ação como revela que, mais do que do produto, a marca depende sobretudo do marketeer, do seu know-how, da sua capacidade em fazer os consumidores sonhar. Dito de outra forma, às marcas importa sobretudo despertar uma expectativa única que gere a perceção de produto único. Se uma marca propuser uma utilidade conceptual que seja não só relevante para as pessoas mas que seja também percebida como exclusiva; e se servir os indícios que sugiram a alta probabilidade de ocorrência desse benefício, o mais certo é que os consumidores venham a encará-la como a única capaz de satisfazer esse desejo despertado. É porque à Coca-Cola associamos valores como a felicidade, tidos como relevantes para as pessoas, e porque a marca é a única capaz de proporcionar tal experiência que os seus fiéis consumidores não a trocam por uma concorrente.

Briefing | Será mais fácil comunicar/publicitar um produto explorando as crenças em torno dele em vez de explorar o produto em si?
RL | As marcas, através da publicidade, sempre procuraram modular crenças. E os consumidores, reconhecendo o intuito comercial, procuram descortinar a verdade que se esconde por trás dessas palavras bonitas que lhe são ditas. Existem tantas marcas a ostentar a mesma funcionalidade com produtos idênticos que a dúvida prende-se em qual será mais credível. Neste capítulo diria que só conceptualizando a utilidade do produto poderá uma marca induzir uma crença de exclusividade que perdure a médio/longo prazo, tanto mais se for hábil a induzir a relevância do produto a proporcionar esse benefício. Essa atribuição de relevância à marca que o consumidor venha a fazer tornar-se-á uma barreira muito difícil de transpor para qualquer outra marca que entretanto surja, exatamente pelo cariz persuasor das crenças formadas.

Briefing | Se o que importa é gerir as expectativas, não caminharemos para a indiferenciação dos produtos? Logo, não haverá o risco de gorar expectativas? O consumidor não se sentirá ludibriado?
RL | Repare: um artigo da The Economist reportou como a britânica Tesco dispõe de 91 tipos de champôs diferentes, 93 variedades de pasta de dentes e 115 detergentes para a casa. Não disponho de números para Portugal, mas a julgar pelos lineares das grandes superfícies o nosso caso não será muito diferente. Diria que a indiferenciação é já o paradigma atual. Daí decorre como caminho único possível a conceptualização do benefício. Mas tem toda a razão quando levanta a questão da legitimidade. À medida que vamos desvinculando a utilidade do produto das suas propriedades intrínsecas a experiência de consumo tornar-se-á cada vez mais subjetiva. Aí eu diria que só devemos prometer a felicidade se estivermos em condições de a suscitar.

Fonte: Briefing

Quarta-feira, 06 Junho 2012 11:40


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