Desde pequeno que tem uma obsessão pelo conteúdo visual, assume. Desenho, ilustração, tipografia, design gráfico, animação e música são desdobramentos desse interesse manifestado há muito. Tinha quatro anos quando começou a fazer postais de Natal ilustrados para cada membro da família. O gosto pela animação foi uma adição ganha com as horas passadas a ver o Cartoon Network e o Looney Tunes. Principiou, pois, a desenhar personagens de filmes conhecidos da Disney através de livros, que depois vendia a colegas da escola. “Foi uma maneira de evoluir o traço e ganhar o gosto pelo desenho”, conta.
Com o primeiro contacto com programas de animação e com novos sistemas de storytelling, já a nível de formação académica, percebeu que “a animação é uma disciplina bastante complexa que requer centenas de pessoas durante meses ou anos até à finalização de um filme”. No seu caso, “criando algo de raiz sem qualquer backup”, este hobby está presente na sua mente 24 horas por dia. Nos intervalos vai ganhando leões em Cannes. E já tem 11 na prateleira.
“ANJIRO” é o projeto a que se dedica há dois anos: uma longa metragem de animação no estilo tradicional, em que o filme ganha movimento a 12 desenhos por segundo. Tudo começou ao ver um documentário sobre a influência de Portugal no oriente no princípio do século XV. O interesse sobre o impacto cultural e tecnológico dos portugueses no Japão estava despertado. “Tive uma enorme curiosidade de redescobrir estes factos em contexto histórico e científico, em procurar histórias e consultar factos verídicos com historiadores especialistas desta época”. Lamenta a falta de informação sobre este período, mas agrada-lhe o “desafio de tentar provar factos reais”. Uma tarefa que o tem levado a visitar museus, embaixadas, templos e associações de Portugal no país do sol nascente, a consultar livros e pinturas antigas e a conversar com monges e freiras japoneses. Enfim, a “tudo o que poderia ter acesso durante o processo criativo”.
Além da influência lusitana no oriente, foi ignição criativa do projeto o facto de Vasco ter consumido bastante cultura visual japonesa durante a adolescência, através de programas de televisão, filmes e séries. E conhecer a obra de realizadores que, diz, o marcaram “para sempre”, como “Hayao Miyazaki, criador de Princess Mononoke e mais conhecido por Spirited Away, Satoshi Komo com Perfect Blue e Paprika, e Katsuhiro Otomo pelo Akira”. “E a lista continua”, admite.
“A criação de uma narrativa visual num universo de animação foi sempre algo que me fascinou, não só por saber que é um trabalho monstruoso tecnicamente de equipa durante meses ou anos, mas pela emoção visual que transporta o espectador para outro mundo”, comenta. Música, sound design, ilustração, desenho, narrativa visual, screen writing e muito mais são algumas das áreas em que esta disciplina toca e, para o diretor criativo, essa abrangência faz parte do apelo deste hobby.
A animação, mas também a prática de skate e a produção de música, são hobbies essenciais na sua vida. “Funcionam como terapia e meditação criativa para poder localizar a energia de trabalho para outros projetos”, diz, acreditando mesmo que “seria impossível sobreviver no dia a dia” sem esta sua “obsessão”. O trabalho como diretor criativo também ganha. O processo é, aliás, “bastante semelhante”.
“Na publicidade escreve-se a top line thought e o script depois de ter a ideia da campanha fechada e começa-se a pós-produção até a execução. A diferença na animação é que não é apenas um anúncio de 30 segundos, mas sim um filme de 60 minutos”, concretiza.
“Tanto num filme de animação como num anúncio existe uma metodologia projetual que é crucial”, nota. “Por vezes, recebemos tratamentos de realizadores com a intenção visual da história e no caso de animação é feito um storyboard a preto e branco frame a frame que representa o guião escrito que mais tarde se torna o animatic, um guia estilo script ligeiramente animado em termos básicos e se finaliza antes de começar a produção do filme. Serve para visualizar e programar os timings de produção. De resto, o processo de pós-produção é exatamente igual: sound design, mistura, compositing, etc”, adianta.
E como seria a animação da sua vida? Vasco Vicente considera “difícil” descrever numa narrativa linear, com início, meio e fim, mas acaba por desvendar: “Seria uma combinação de Tokyo Godfathers com Red Turtle”.