João Fernandes entende que a tecnologia foi sempre um facilitador da criatividade. E recorre ao passado para o justificar: “Se nos cingirmos à publicidade, não precisamos ser historiadores para perceber o impacto que o avanço tecnológico que foi a descoberta do papel terá tido na transmissão e preservação de mensagens; o mesmo aconteceu com a imprensa, a rádio, a televisão e a internet. Novos meios tecnológicos permitiram criar novos tipos de mensagens, que, por sua vez, exigiram soluções criativas para maximizar a sua eficácia. Diria, por isso, que, mais do que apenas um facilitador, a tecnologia é um instigador da criatividade”.
Mas será que se chegará a um ponto em que uma se sobrepõe à outra? Na visão do curador do CCP, o que a tecnologia faz é tirar (ao indivíduo) a exclusividade das ideias: “O grau de computação existente hoje permite já que sistemas automáticos definam planos de ação complexos para chegar ao cumprimento de objetivos, desde que devidamente alimentados com dados. Nada de novo aqui – o piloto automático de aviões faz isso há vários anos. Estamos apenas assistir à chegada de pilotos automáticos a milhares de outras coisas”.
Será mais um passo na desumanização do marketing? João Fernandes defende que, mais do que um futuro provável, este é um cenário já “bem presente”. Entende que a desumanização da publicidade começou no dia em que se tomou a “trágica decisão” de retirar os departamentos de planeamento de meios do seio das agências criativas: “Ao fazê-lo, separámos duas inteligências que deviam estar juntas, criando unidades de negócio distintas e, consequentemente, com objetivos de negócio distintos. O processo criativo, até então íntegro e sujeito a um único briefing, fragmentou-se para nunca mais se voltar a juntar. Rapidamente surgiram vários tipos de perversão num processo que, em várias etapas, deixou de servir o interesse do briefing criativo e passou a servir outros interesses, margens, comissões, rappels, etc… Processos de decisão que passaram a ter outros decisores, como os CFO, retirando uma autonomia importante, do lado dos clientes, aos diretores de marketing e gestores de produtos e, do lado das agências, aos diretores criativos e planeadores estratégicos”. Uma clivagem que – argumenta – “criou todo o tipo de ineficiências, colocando tantas vezes a mensagem publicitária errada no meio certo, ou a mensagem certa no meio errado, ou pior ainda, a mensagem errada nos meios errados”.
E continua: “Criativos passaram a tentar adaptar conceitos para meios previamente definidos, tantas vezes, desvirtuando-a das suas principais virtudes, ou, pior ainda, criando conceitos não sabendo de antemão em que meios viriam a ser vinculados. Neste processo, o consumidor, aquele a que ambos deviam servir de braço dado, foi secundarizado, ao tentar servi-lo de uma forma desconexa entre a mensagem e a sua distribuição. E se é verdade que as agências de meios se foram munindo de ferramentas de análise e conhecimento cada vez mais potentes, esta nova forma de conhecer e normalizar o consumidor de pouco serviu, não estando a ser igualmente utilizada para construir não a campanha, mas o próprio briefing criativo”.
Diz João Fernandes que, hoje, se assiste a inversão desta secundarização. E explica: “Os dados permanentemente adquiridos pelo uso da internet, especialmente em dispositivos como os smartphones, permite conhecer o consumidor como nunca antes, criando, não apenas as condições para gerar mensagens publicitárias adaptadas aos seus interesses em constante atualização e mutação, mas também escolher der forma automática a mais eficaz forma de fazer chegar essa mensagem ao seu alvo. São os criativos e os planeadores de meios que são agora secundarizados, substituídos por algoritmos progressivamente mais potentes, capazes de criar e distribuir de forma unívoca para cada consumidor”.
Neste processo – conclui – o consumidor estará muito provavelmente a ser melhor servido do que o foi nos últimos 20 anos. E, “se é de forma desumana ou não, pouco importa, desde que o sirva partindo da premissa de que realmente o conhece, e hoje existem as condições para conhecer. Levanta questões éticas de variada ordem, mas essa é outra questão. A publicidade nunca foi uma ciência, agora é”.