Briefing | “Sem medos” é o tema do festival. Como surgiu?
Susana Albuquerque | Sabemos que os temas dos festivais são sempre bastante emblemáticos e, de alguma forma, conseguem reproduzir o espírito do tempo e do contexto que se está a viver. Este ano, procurámos que pudesse ter a ver com a forma de ser português e de trabalhar em Portugal, quer no que nos projeta, quer no que nos limita. E chegámos à conclusão de que, quando pensamos sobre nós, existe uma característica que nos define – os medos. Existem sempre muito medo, somos um povo que não fala muito alto, que não gosta de fazer ondas, que não sai à rua para protestar, somos o país de brandos costumes, como se costuma dizer. E até que ponto é que não são esses medos que nos prendem, até que ponto preferimos ser tímidos a arriscar algo que nos poderia levar mais longe, mas também nos poderia trazer uma fatura mais pesada?
Falámos entre nós e, mais do que termos uma resposta, achámos que era um tema suficientemente bom para pôr as pessoas a falar. Afinal, quando olhamos para a criatividade, tanto para a publicidade como para o design, ela acaba por ser o espelho do que somos como país. Há um traço cultural na forma como nos expressamos criativamente: não somos tradicionalmente um povo de grandes loucuras criativas, somos mais comedidos. E gostávamos que o festival fosse uma reflexão sobre esse comedimento, mas também sobre casos de atrevimento e de coragem, de pessoas que ousaram e ultrapassaram os medos.
O Dave Trott, que vem lançar o seu novo livro, tem um olhar muito lúcido sobre o que se passa. Ele é um contador de histórias maravilhoso e uma das histórias que conta chama-se qualquer coisa como tornar o medo nosso amigo. Dá o exemplo do Steve Jobs, de como, no momento em que a Apple estava no esplendor, a vender iPods, não conseguia dormir descansado, com muito medo da Nokia, que tinha lançado um telefone em que se podiam guardar algumas músicas. Ele conseguiu prever que ia ser o fim da sua grande fonte de negócio e foi graças a esse medo que decidiu meter-se nos telefones. O medo pode ser nosso amigo, tornar-nos conscientes das principais ameaças e tornar-nos mais reativos, até antecipando problemas que ainda não existem.
Mas o medo paralisante, que, muitas vezes, acontece em Portugal, é contraprodutivo, puxa-nos para trás, impede-nos de ambicionar coisas melhores e trabalhar para elas. O que tentámos foi desenhar um festival que fosse uma reflexão sobre o que nos faz parar, mas também mostrar o lado da coragem.
A atual direção candidatou-se precisamente sob o lema da coragem. Coragem porquê?
Havia um lado de coragem quando nos candidatámos porque o trabalho da direção anterior foi unânime. As pessoas queriam que eles ficassem mais tempo, mas há um certo esgotamento, foram seis anos. Era a altura de outras pessoas virem com outras ideias. Como uma espécie de tocha olímpica, que tem de passar de mãos em mãos para que o fogo não se apague. Eles não queriam que o fogo se apagasse e quiseram passar o testemunho, mas era preciso coragem para pegar nesse testemunho. O nosso primeiro ano aqui vai ser comparado com seis anos de muito bom trabalho. Mas, para nós também está claro que temos ideias que queremos trazer, que há coisas que queremos fazer, portanto vamos seguir o nosso caminho.
E coragem para quê?
Se tivesse de resumir a nossa missão numa frase teria de ser valorizar e dignificar cada vez mais a criatividade portuguesa. Temos de nos aproximar dos clientes e das marcas, é muito anos 90 achar que o Clube de Criativos são meia dúzia de criativos a falar para si próprios. Não é de todo. Não é essa a nossa prioridade. Não é para isso que o clube e o festival existem. Um dos grandes objetivos é conseguir que tudo aquilo que fazemos tenha cada vez mais como público as marcas e os anunciantes. Tem de ficar claro que aquilo que nós fazemos só tem valor se tiver valor para as marcas que investem em criatividade.
É algo em que vamos trabalhar. Neste festival, vamos inaugurar um formato em que depositamos muitas expectativas e que é um dia dedicado a conferências. Inclui uma mostra de alguns casos que consideramos dos mais corajosos e que vão ser trazidos pelas agências e pelos clientes, em conjunto: é o caso Nuno Jerónimo [d’O Escritório], e da Filipa Appleton, do Lidl, que vão falar dos desafios de mudar a comunicação da insígnia e torna-la relevante para o consumidor; o Ivo Purvis [da Partners] e Lígia Monteiro, do Turismo de Portugal, vão abordar o porquê de questionar os modelos de promoção de um destino; o Pedro Pires, com a Solid Dogma e a galeria Underdogs, traz a aposta num conteúdo que não existia, o Festival Iminente, numa ótica de valorizar o que é feito em Portugal e com objetivos de exportação; e o ateliê Eduardo Aires e a Câmara do Porto vêm falar da união entre design e autarquia para criar uma marca.
É um primeiro passo no sentido de deixar muito claro que a aposta na criatividade, que o campeonato das boas ideias é o campeonato dos criativos e de todas as pessoas que trabalham em agências, mas também de todas as pessoas que trabalham em empresas e querem construir marcas que digam alguma coisa às pessoas.
Além disso, vamos ter um dia dedicado a workshops, em que escolhemos algumas pessoas do mercado que vão fazer sessões de trabalho abertas a agências, a estudantes, a clientes, para que possam aprender, ter opinião crítica de alguém que trabalha – por exemplo, sobre como melhorar um briefing, como escrever um guião, como melhorar um insight. O objetivo é fazer as pessoas saírem das quatro paredes da agência ou do departamento de marketing, criando um espaço de encontro.
Queremos também trabalhar junto das escolas e das pessoas que estão a começar esta profissão. Tem de haver uma valorização do que fazemos. Queremos que o clube seja uma porta de entrada larga para o nosso mercado e para o mercado de fora. Essa ligação está a ser desenvolvida com mais profundidade, não só através da exposição das escolas, como da Portfolio Night e do High Potentials.
E há questões de fundo. Quando falamos em dignificar o que fazemos, existe interesse em faze-lo junto do grande público. As pessoas da minha geração cresceram com alguma curadoria, havia programas de televisão, consumíamos revistas. Eu adorava programas de publicidade e, se calhar, até foram uma das razões pelas quais comecei a trabalhar. Mas, hoje em dia, isso não acontece. A sensação que temos é que tudo está acessível, mas parece que está tudo muito diminuído e fragmentado. Gostávamos que o clube tivesse papel importante em reunir bons exemplos, criar espaço para mostrar a boa criatividade que se faz em Portugal. O clube tem a função de ser agregador, de ser curador.