Ainda me recordo, há já largos anos, de ouvir, em momentos de definição estratégica ou em media reviews, a célebre frase: “este é o ano do mobile”. E assim se repetia, ano após ano, até que o mobile atingiu uma taxa de penetração superior a 100 % da população portuguesa (já há mais telemóveis do que pessoas), instalando-se nas nossas vidas sem pedir licença.
Este exemplo serve de paralelismo para falar de data (e esta, sim, cada vez mais pede licença). Há décadas que se fala de data na nossa indústria: big data, first, second, third e zero-party data, data-driven marketing, CDP, DMP, data lakes… Hoje, é praticamente impossível falar de estratégias de comunicação sem recorrer a data – diria mesmo que é mandatório.
Tudo gira em torno dos volumes de dados cada vez maiores que nos chegam, alimentados pelo consumo galopante de diversas plataformas e dispositivos que, progressivamente, nos auscultam, conhecem e compreendem. É aqui que entra, por um lado, a capacidade de agregar, classificar e disponibilizar esses dados, e, por outro, a criatividade necessária para conceber os segmentos mais adequados a cada ecossistema e objetivo.
Atualmente, podemos ativar segmentos tão diversos como “quem mudou de casa recentemente”, “jogadores de padel” ou “lares com crianças com menos de quatro anos” – passando por categorias ainda mais específicas, como “compradores de detergente para o chão com cheiro a alfazema nos últimos seis meses” (sim, já é possível em Portugal). E é aqui que a imaginação – e as limitações das plataformas – definem os verdadeiros limites.
Sendo um pouco mais didático, e dependendo das plataformas, é possível construir uma estratégia de comunicação com base em diversos tipos de dados: demográficos e geográficos; comportamentais (por exemplo, com base no comportamento de navegação); psicográficos (interesses); contextuais (contexto de navegação); tecnológicos (tipo de dispositivo, sistema operativo, etc.); ou mesmo dados de intenção de compra.
Toda esta capacidade de utilização de dados leva-nos inevitavelmente a uma questão: com todo este potencial de segmentação, as campanhas de mass media ainda fazem sentido? Continuamos a disparar uma mensagem num meio de um-para-muitos, em vez de seguir uma lógica mais personalizada, de um-para-um?
A resposta é: claro que sim. Os meios de maior impacto – com segmentações maioritariamente demográficas e geográficas – continuam a ser a melhor solução para muitas necessidades das marcas. E quem o diz são os resultados: vendas, notoriedade de marca, entre outros.
Um dos grandes desafios da Comunicação é precisamente encontrar o equilíbrio certo entre a ativação de um microsegmento e um spot no intervalo de um jogo da Seleção Nacional de Futebol, visto por mais de três milhões de pessoas.
Todo este panorama afeta não só a estrutura dos meios propostos, mas também a própria mensagem criativa. A capacidade de entregar uma mensagem a alguém de quem sabemos que tem determinado interesse ou comportamento específico coloca, mais uma vez, a data não só no centro da estratégia de meios, mas também no coração da estratégia criativa. Podemos assim ter diversas vozes ou mensagens: uma para falar com todos, outra para falar diretamente com alguém em particular. E, nesse caso, pode ser a pessoa que comprou detergente para o chão com cheiro a alfazema nos últimos seis meses.
Filipe Neves, Managing Director da Arena Media