Na Microsoft, o género não é uma questão

Na Microsoft, o género não é uma questãoO setor em que Patrícia Fernandes trabalha é predominantemente masculino – as tecnologias. Mas não há nada objetivo que o justifique, argumenta a diretora de Marketing, RP e Comunicação da Microsoft Portugal. Na sua opinião, ser homem ou mulher não é determinante e, aliás, o marketing é até uma atividade agnóstica no que toca ao género.

Briefing | Qual a influência de uma mulher na direção de marketing de uma empresa?

Patrícia Fernandes | Não creio que o género seja um fator determinante na forma como se planeia e executa marketing numa organização. Penso que a personalidade, o percurso, a vivência e, eventualmente, a formação dos decisores são fatores que apresentam maior peso do que o género. Se quisermos ser mais académicos e recorrer à psicologia, podemos aceitar que quiçá uma diretora de marketing terá uma maior sensibilidade para lidar com pessoas, terá uma capacidade mais acutilante para ler os sinais do mercado que urgem alterações de estratégia por parte das empresas, usará mais a inteligência emocional, poderá ter uma flexibilidade maior para equacionar os temas do equilíbrio da vida pessoal/profissional, e poderá ter uma capacidade maior para perceber o comportamento de franjas importantes de consumidores como as mulheres, as mães ou as executivas. Mas, sinceramente, considero este exercício forçado. Uma mulher na direção de marketing será tão ou mais capaz que um homem, dependendo do seu conhecimento, experiência, disciplina, tenacidade, criatividade e capacidade de inovar continuamente. Acima de tudo, o que deve imperar é a meritocracia na seleção das melhores pessoas para os cargos.

Briefing | O masculino domina na liderança do marketing ou esta atividade não tem género?

PF | Falando genericamente, a área de marketing é uma das mais equilibradas em termos de distribuição de género, começando nas escolas e universidades que lecionam esta disciplina do saber e acabando naturalmente no mundo laboral. O mesmo já não se passa exatamente na área adjacente da comunicação (que muitas vezes funciona de forma integrada com o marketing), onde predomina claramente o género feminino.

Todavia, se fizermos um varrimento pelos nomes dos principais decisores de marketing e excluindo a comunicação, verificamos que os homens dominam, o que nos diz que a distribuição é boa, mas nos cargos de liderança ainda predominam homens, sobretudo nos sectores mais tradicionais e conservadores.

Contudo, o exercício da atividade de marketing é totalmente agnóstico em relação ao género, na minha opinião. A indexação do desempenho está muito mais ligada às características distintivas, em termos de “hard e soft skills” dos profissionais do que qualquer outra atribuição artificial. O que pode acontecer, admito, é que em sectores onde o exercício de marketing está muito focado na segmentação de audiências (por exemplo a cosmética ou o desenvolvimento de jogos para computador) um líder que materializa o perfil da sua audiência chave pode ter vantagens ou, melhor, pode demonstrar facilidades intrínsecas que podem fazer o exercício do cargo mais natural. Um(a) diretor(a) de marketing de qualquer empresa tem que ser o primeiro dos utilizadores dos produtos e/ou serviços das suas marcas, para poder mais facilmente compreender os desafios, necessidades e gostos das suas audiências alvo.

Briefing | Qual a solução para promover a igualdade de géneros nas empresas?

PF | Não há uma solução milagrosa e certeira, porque se houvesse já tinha sido implementada! Contudo, podemos fazer uma análise simples: se compararmos a distribuição de género por sector, ou por origem das empresas, podemos tirar algumas conclusões.

Há sectores (como os transportes ou a tecnologia) que são maioritariamente masculinos, mas não há nada objetivo que o justifique. Uma mulher pode ser tão boa piloto de avião ou programadora de software como um homem. Esta disparidade advém de razões culturais e históricas, que originam uma distribuição forçada por género e possui um ponto nevrálgico onde importa atuar: o sistema de ensino. Como as ciências e concretamente as engenharias são saberes mais associados ao género masculino, o sistema faz desaguar no mercado de trabalho profissionais predominantemente masculinos. Por isso, se quisermos alterar esta distribuição temos de fazer um trabalho de fundo e a longo prazo para chamar mais raparigas ao estudo da engenharia.

Por outro lado, se analisarmos as empresas multinacionais (de origem anglo-saxónica), verificamos que há uma preocupação extrema pelo equilíbrio de género e o resultado são números mais equilibrados e uma maior percentagem feminina nas direções. Se formos analisar as empresas portuguesas verificamos que não é assim. Por isso, importa perceber o que fazem umas que as outras não fazem.

Briefing | É um ponto em que a Microsoft está a trabalhar?

PF | Trabalho numa multinacional americana, que tem feito grandes progressos no equilíbrio da igualdade, apesar do sector difícil para o conseguir, posso identificar de forma clara as razões que originaram os pontos de inflexão: o colocar desta meta nos objetivos de desempenho dos decisores de topo e nos scorecards de gestão, com indexação monetária e o estabelecimento de compromissos claros e datas para os alcançar.

Não gosto de falar em quotas ou em “números clausus”, porque não os associo à meritocracia, mas à imposição que pode encobrir a mediocridade ou o clientelismo. Contudo, se houver bom senso no tratamento do tema, a colocação de objetivos de equilíbrio de género pode servir para despertar os decisores para o tema e os fazer agir para alcançar o objetivo. Se assim não for, vejo difícil haver progressos consideráveis face ao que vivemos hoje.

Esta entrevista pode ser lida na íntegra na edição impressa do Briefing, no âmbito de um dossiê dedicado às mulheres no marketing.

sb@briefing.pt

Quarta-feira, 01 Abril 2015 11:16


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