E é para ampliar os olhares sobre questões como a igualdade de género e de oportunidades que promove o Prémio Comunicação Corações Capazes de Construir, de que hoje se conhecem os vencedores da quarta edição.
Briefing | O Prémio Comunicação Corações Capazes de Construir está na quarta edição. Mas porquê um prémio desta natureza como primeira iniciativa da associação?
Catarina Furtado | Quando decidi oficializar a minha intervenção social através de uma organização não governamental e, com a Ana Magalhães e a Ana Torres, minhas colegas de direção, decidi fazer nascer a Corações com Coroa, o primeiro projeto que idealizámos foi exatamente o prémio comunicação. E porquê? Porque eu, há 26 anos na área da comunicação e, paralelamente, a tentar seguir um caminho de intervenção social enquanto comunicadora, senti sempre muita necessidade de falar sobre estas questões que têm a ver com os direitos humanos e com o desenvolvimento. Mas também sentia muitas vezes que tinha dificuldade em sensibilizar os meus editores e diretores para a importância de estas questões estarem cada vez mais nos meios de comunicação social com uma abordagem aprofundada e não ao de leve. Daí considerar que um prémio seria uma forma de incentivo e, ao mesmo tempo, uma forma de projetar e replicar os trabalhos premiados, quer da área do jornalismo, quer da área da publicidade. E isso acontece, de facto: após o evento de atribuição dos prémios, volta-se a falar dos trabalhos, quer nos meios de comunicação, quer nas redes sociais. Há uma nova vida para as temáticas.
Briefing | Enquanto comunicadora, de onde vem essa urgência de intervenção cívica nesta área?
CF | Vem de sempre. Ainda antes de criar a Corações com Coroa. Vem da minha inquietação. E, inevitavelmente, de razões concretas que têm a ver com o facto de o meu pai ser jornalista e trazer outros mundos para dentro do meu mundo e do facto de a minha mãe ter sido professora do ensino especial e me trazer a diferença como igualdade de direitos. Comecei a fazer voluntariado aos nove anos e voluntariado para mim não era um extra, era normal. À medida que fui crescendo e fui tendo uma voz pública, percebi o quão isso podia ser transformador e podia ser potenciado. Percebi que, tendo uma voz que, apesar de tudo, é ouvida com maior facilidade do que uma voz mais anónima, podia ser uma mais-valia para trabalhar estas matérias. E, como autora, comecei a propor projetos em televisão, em rádio, em imprensa que tivessem como temática os direitos humanos. Os documentários “Príncipes do nada” são um exemplo disso, estão há dez anos no ar. Mas – e não querendo desvalorizar a atitude dos meus sucessivos diretores e administradores da RTP, que aprovam e até incentivam – sinto sempre que é muito mais uma vontade minha. Porque a verdade é que a promoção dos direitos humanos, que deveria ser muito automática em cada um de nós, é vista como menos atraente pela comunicação social. E o que acontece é que se confunde com aquele trabalho jornalístico que vive do mediatismo da vitimização, do sensacionalismo. Isso não é trabalhar as causas. Muitas vezes os porquês, os comos, o que se pode fazer não são esmiuçados nesses trabalhos. E o que nos propomos é dar voz aos protagonistas, a quem está no terreno, e mostrar onde é que realmente podemos todos fazer a diferença. É verdade que, com o tempo, estas questões foram ficando mais na ordem do dia. E que todos – empresas, comunicação social, sociedade em geral – estão mais atentos. Há mais leis, há uma necessidade de ter uma pegada saudável, sustentável, responsável, quer enquanto indivíduos, quer enquanto empresas. E um retorno positivo desta atitude: o cidadão fica com o ónus de ser mais responsável e a empresa tem uma valorização da sua própria marca, ganha credibilidade.
Briefing | As empresas têm esse papel transformador? E estão a dar o contributo que poderiam ou deveriam?
CF | Antes de mais, tenho de reiterar que sou muito nova nesta área. Estou há 16 anos como embaixadora de boa vontade do Fundo das Nações Unidas para a População e, nessa qualidade, vou bater à porta de empresas a tentar fazer parcerias, angariar financiamento, mas é uma área muito pequenina da minha atuação, não tenho essa experiência. Enquanto presidente da Corações com Coroa, há quatro anos, o que eu posso dizer é que o facto de eu ser figura pública inevitavelmente abre portas, e eu fico contento por abrir e agradeço a cada parceiro que me veio bater à porta ou a cuja porta eu fui bater e que percebeu a urgência destas temáticas. O que me parece, observando o comportamento de muitas empresas, é que há uma abertura cada vez maior.
E por várias razões. Porque está mais do que provado que há um retorno, que as empresas têm vantagens, quer através do mecenato, quer através do patrocínio, algumas mais imediatas, outras a longo prazo. E há ainda questões como as certificações, uma das quais tem exatamente a ver com os direitos humanos, e como as convenções que Portugal assina e que comprometem também as empresas. É o caso da Agenda 2030, a agenda das Nações Unidas para o desenvolvimento que estabelece metas até 2030 e que, pela primeira vez, estabelece objetivos a atingir no próprio país. E há pelo menos quatro cujas metas têm a ver com o comportamento das empresas, nomeadamente em matéria de trabalho digno e crescimento económico ou de produção e consumo sustentáveis.
Há uma consciência muito maior de que o mundo, tal como está, não pode continuar. E, como há essa consciência, inevitavelmente vamos começar a exigir às empresas que tenham uma política corporativa coerente, quer internamente, para com os seus funcionários, quer externamente, na relação com a comunidade em geral, com os seus parceiros e clientes. Os grandes grupos estão atentos. E há muito bons exemplos de como marketing de causas pode ser uma estratégia muito potenciadora, de empresas com a preocupação de criar uma ação responsável sem explorar o benefício direto dessa ação. Ainda que tenha esse benefício, porque dificilmente se consegue que um grande grupo pense meramente na solidariedade.
Briefing | E como gere a sua relação com as empresas no âmbito da Corações com Coroa e a sua relação com as empresas em termos profissionais, isto é, aquelas para que faz publicidade?
CF | É preciso separar. É o que explico quando vêm ter comigo para apoiar a Corações com Coroa mas depois querem ter um retorno de publicidade da minha pessoa. O que respondo é que não posso dar a minha imagem à empresa ou ao produto e pergunto se, nesse caso, mantêm o apoio ou não. Se estão realmente preocupados, se se identificam realmente com os nossos propósitos, a questão está resolvida. É o chamado “teste ácido”.
O que tem acontecido é que, quando faço um trabalho de publicidade, as marcas que começam como parceiros comerciais acabam por, a seguir e separadamente, apoiar projetos da Corações com Coroa.
Mas os dois campos não podem ser confundidos. Se uma empresa vem ter comigo há de ter a ver com todo o meu percurso, não apenas pela minha carreira ligada à televisão. E fazemos um contrato de publicidade que me garante a vida pessoal e garante que possa continuar a dar parte do meu tempo à associação. E se depois a área de responsabilidade social se identifica com as causas e acredita que o dinheiro vai ser bem aplicado é outra coisa.
Briefing | Então, como é que seduz as empresas para apoiar os projetos da associação?
CF | Eu comecei a Corações com Coroa com um donativo meu, que fui buscar ao meu trabalho. Foi uma opção. Mas como é que seduzo os outros? Tem de ser através dos nossos projetos. Percebo, muitas vezes, que as empresas têm vontade mas não estão informadas. Ainda há muito uma perspetiva de caridade, que tem de ser varrida, para que os projetos onde o dinheiro das empresas é aplicado sejam, de facto, sustentáveis. A responsabilidade social tem de ser vista como um investimento, não como um gasto. É como quando fazemos melhorias na nossa casa: custa-nos gastar o dinheiro, mas se a tivermos que vender esse investimento valoriza-a. Não é só um investimento na empresa, é em todos nós.
Esta entrevista foi publicada na íntegra na edição impressa da Briefing.