Briefing | O digital assume um papel mais relevante para as marcas numa altura em que os consumidores são também mais digitais?
Américo Campos Silva | Não diria que assume um papel mais ou menos relevante. O que variou significativamente é que, no passado, era muito aquele processo de fazer um grande filme para que esse filme passasse em prime-time. E as coisas aconteciam. A televisão funcionava muitíssimo bem.
Obviamente que continua a funcionar bem e que esses filmes ainda são necessários. Mas há todo um outro aspeto que tem mais a ver com o facto de o consumidor estar sempre conectado em todos os tipos de media. Isso faz com que as marcas tenham necessidade de pensar de outra forma. Pense que o passado era como um jogo de bowling – a marca atirava a bola (o tal grande filme) e atingia os consumidores. Hoje é mais como uma máquina de flippers – o consumidor tem vários estímulos, várias maneiras de entrar em contacto com a marca, sendo que o filme de televisão é uma delas mas há sobretudo um sistema em que marcas e consumidores estão em permanente comunicação. E os consumidores esperam isso das marcas.
Briefing | Esta realidade é mais desafiante para as marcas?
ACS | Veio dificultar um pouco a vida das marcas no sentido em que os consumidores agem e pensam de uma forma muito rápida. E, em muitos casos, as marcas não têm velocidade para acompanhar a velocidade do que acontece no mundo exterior. Tem a ver com a forma como as empresas estão estruturadas e tem a ver com as agências que as empresas usam. São processos muito complexos.
Penso que, hoje em dia, uma marca que queira ser relevante para a sua audiência necessita obviamente de entender bem estas dinâmicas. Não quer dizer que tenha todas as soluções, mas, pelo menos, entender quais são os principais obstáculos e oportunidades que têm à sua frente.
Briefing | E para uma marca como a Shell que comunica para vários públicos muito distintos?
ACS | A Shell é uma empresa muito grande, das maiores do mundo, e tem um grande espetro de negócios. O retalho é a face mais visível da marca, mas há o B2B, a exploração e produção, o relacionamento com os governos… E, mesmo dentro do B2B, há áreas muito específicas – aviação, químicos, betumes… – com audiências muito pequenas, mas muito importantes.
O que é essencial é que a comunicação da marca comece por ser consistente porque, quer queiramos, quer não, haverá sempre um certo desperdício em termos de media. Obviamente que, na área digital, tudo é mais fácil hoje em dia, com todas as capacidades em termos de remarketing, que permitem identificar o consumidor e estabelecer contínuas comunicações.
Mas tudo tem de começar por uma estratégia consistente entre as diferentes manifestações da marca porque em algum momento se vão encontrar e, se a consistência não existir, a marca acaba por ter um comportamento meio esquizofrénico.
Quando pensamos numa marca global como a Shell esse aspeto da consistência é muito importante. É complexo, mas tentamos fazê-lo. Não diria que é perfeito, mas essa é a nossa visão.
Briefing | Em que áreas do marketing mix e do negócio há maior investimento?
ACS | O nosso orçamento para media é de, aproximadamente, 250 milhões de dólares repartidos por mercados e pelas diferentes áreas de negócio. Em termos de media, a Shell neste momento investe no retalho, investe muito em lubrificantes e investe na própria marca a um nível mais corporativo, que se prende com o nosso posicionamento na evolução das necessidades energéticas do planeta, com o papel que queremos ter nesse desenvolvimento. Muitas pessoas não sabem qual a perspetiva das grandes empresas sobre essas questões, mas temos de fazer um esforço para tornar visível a nossa posição porque sabemos que os consumidores, quando conhecem e entendem, gostam da mensagem da Shell.
Briefing | Como marca global, também trabalham com agências globais?
ACS | Em termos de media, trabalhamos a nível mundial com a Mediacom e temos relações muito próximos com o Google, o Facebook, o Twitter, o LinkedIn, pela sua relevância em termos de media. Trabalhamos com estas empresas através da agência mas também diretamente, em projetos específicos que têm muito mais a ver com a área digital como um todo e a transformação digital que está a acontecer nas nossas vida do que propriamente com comprar media.
Na área digital, há dois aspetos. Um, a que chamaria o digital light, no sentido de que as pessoas estão muito preocupadas em fazer uma app, um post no Facebook ou um pequeno vídeo de que fazem upload no YouTube. Este aspeto não tem muita relevância e impacto. Depois, há outro aspeto, que é usar o digital para transformar o negócio e que assume um papel mais estratégico nas decisões para o futuro das empresas. É este tipo de discussão que estamos a ter com essas empresas.
Briefing | Os marketeers estão a saber tirar partido dessas potencialidades?
ACS | Há de tudo. Há empresas que conseguem combinar essa inovação digital com uma transformação do negócio, com uma satisfação muito grande dos clientes, e á outras que ainda querem fazer um vídeo viral. Não sabem que isso não existe. Não existe. O que existe são vídeos com interesse que fazem check numa série de elementos importantes para o sucesso do vídeo e que, depois, têm, todos sem exceção, uma grande campanha de distribuição após o lançamento. Não é espontâneo. Se vir os vídeos mais bem-sucedidos e que ganharam festivais, como o da Volvo Trucks e o da Dove, todos têm estratégias muito fortes de distribuição por forma a garantir que, no momento em que são lançados, atingem o maior número possível de pessoas e que depois essas pessoas vão partilhá-lo. Mas é um processo em que a base tem de ser muito grande, porque depois o alcance vai diminuindo. Os estudos mostram que um vídeo “viral” é partilhado por uma pessoa em dez. Isso já é um resultado brutal. Imagine que, se começar com milhão, dez por cento são 100 mil… Não quer dizer que não haja exceções, mas o processo é este. Estes vídeos “virais” são fenómenos que tendem a durar uma semana.
Nós também temos os nossos vídeos. Fizemos vídeos, por exemplo com o objetivo de incentivar os jovens a estudarem mais ciência e mais tecnologia, que tiveram, seis, sete milhões de visualizações, o que é um resultado bastante bom.
Briefing | Essas questão remete para as métricas. O que valem para as marcas? São bons indicadores?
ACS | As métricas são úteis, mas o impacto real tem de ser medido em termos de vendas, de quota de mercado, de aumento da lealdade dos clientes. Não consigo gerir o meu negócio baseado em likes no Facebook.
As métricas de social media são métricas intermédias, tal como o foram os GRP. Estão associadas à utilização daqueles meios. No digital, a vantagem que possibilitam é ajudarem a estabelecer uma base, que passa a ser o nosso ponto de referência. Comparo muitas vezes as nossas métricas com as médias do mercado para as mesmas métricas, o que dá um bom benchmark, mas tento comparar sobretudo com as nossas métricas do ano anterior e obviamente quero sempre fazer melhor.
Esta entrevista pode ser lida na íntegra na edição impressa do Briefing.