A melhor campanha de 2024, só que não

O cofundador da Coming Soon Marcelo Lourenço destaca o filme de celebração do centenário do RC Celta como a campanha que mais marcou 2024. Vencedor de vários prémios, muitas pessoas ficaram rendidas a este vídeo, contudo este não foi o caso do nosso convidado.

A melhor campanha de 2024, só que não

Quando a revista Briefing me desafiou a falar sobre a melhor campanha de 2024, lembrei-me logo do filme “Oliveira dos Cen Anos”, criado para celebrar o centenário do RC Celta, o clube de futebol oficial da cidade de Vigo, em Espanha. Vencedora de três Leões de Ouro no Festival de Cannes, a campanha também ganhou o Ouro no festival do ADCE – Art Directors Club of Europe (onde também levou o Genius Loci Award), o Grande Prémio no Festival El Sol, em Espanha, e muitos outros prémios que conquistou – e, provavelmente, ainda vai conquistar.

Mas lembrei-me dela por outro motivo: eu não acho que a campanha seja tudo isso.

No júri do ADCE, onde participei como jurado na categoria Filme, estava pronto para ser um querido e defender um generoso Bronze para a campanha. O que, achei, seria mais do que suficiente. Pior: pensei que todos no júri concordariam comigo.

Ledo engano. Liderados pelos meus colegas de júri, Jaroslav Vígh, da Eslováquia, e por Alexander Bratimirov (da Bulgária), “Oliveira dos Cen Anos” foi aclamada como uma obra-prima, um trabalho obviamente merecedor do Ouro e um fortíssimo candidato a Grand Prix. Fácil, fácil.

Juro que tentei entender o ponto dos rapazes. Mas será que estamos a ver o mesmo filme? Um spot de futebol com pessoas a cantar, uma claque a festejar, alguém com uma tocha vermelha a gritar em cima de um carro? Sério mesmo?

Talvez sejam os meus mais de trinta anos de carreira que me impedem de esquecer todos os anúncios da Nike que já vi na vida – e de todas as marcas que tentam imitá-la com os mesmos truques: a tal da “emoção do futebol”, a música larger than life, o apelo à cultura local, e coisa e tal. Até as pessoas vestidas de preto paradas numa praia, a olhar para o infinito, me parecem saídas diretamente de “City of Angels” (aquele romcom dos anos 90). E, mesmo na altura, isso já não era original.

Mas era tarde demais: o nosso Jaroslav (ou Yaro, como gosta de ser chamado), sinceramente e profundamente amava a campanha. Achava-a a última Coca-Cola do deserto e fez aquela coisa maravilhosa que de vez em quando vemos num júri de publicidade: um criativo a defender uma ideia, que não é sua, de uma agência com a qual ele não tinha a menor ligação, como se a sua vida dependesse disso. Simplesmente porque acreditava na ideia. A sua defesa foi tão convincente e apaixonada que conquistou a sala, o júri. E só não levou o Grande Prémio do Festival por uma unha negra.

À agência Little Spain, criadora da campanha, que me desculpe, mas continuo na minha: um Bronze era mais do que suficiente para “Oliveira dos Cen Anos”.

Apostei com o Yaro que, daqui a cinco anos, ninguém mais se lembrará dessa campanha – o que é, para mim, a prova de que ela não era mesmo tudo isso. O Yaro diz que não, que não estou bem vendo a coisa, que sou um velho ranzinza que não sabe o que diz. Ficou combinado que, quem estiver errado paga o jantar no Festival de Cannes 2029.

A verdadeira criatividade, a mais humana das artes, é isso mesmo: toca as pessoas de maneira completamente diferente, de formas imprevisíveis e maravilhosas. 

Para a Inteligência Artificial, que muita gente diz, vai tomar o nosso lugar a fazer isso no futuro, boa sorte.

Marcelo Lourenço, cofundador da Coming Soon

Segunda-feira, 06 Janeiro 2025 10:38


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