Nestes dias conturbados em que a Fotografia navega e em que mais um Dia Mundial da Fotografia (19 de agosto) se assinala, talvez valha a pena olhar o passado em busca de similaridades com as condições atuais.
Fotografia e tecnologia têm andado de mãos dadas desde o seu começo, nos avanços químicos, óticos, mecânicos e eletrónicos. A Fotografia sempre mostrou deter a capacidade de criar e absorver em si não apenas avanços técnicos, mas também pontos de vista e práticas. Das vertentes autorais às aplicadas, o pensamento e a inovação sempre tiveram parte no processo fotográfico, quer se aproxime o resultado da procura pelo valor icónico, a semelhança, quer da abstração.
Quando se olha para o passado recente é possível identificar que com a entrada do digital no domínio da Fotografia, o processo ontológico perdeu força, observámos uma nova democratização do uso da imagem fotográfica, da sua manipulação por aplicativos, do aproveitamento destas novas capacidades na criação de imagens semelhantes ao real, numa busca por uma estética de perfeição. Desde a paisagem impossível de conseguir, de forma tradicional, ao produto de uso diário, a tentativa de ter a imagem sem falhas, com a iluminação perfeita, numa simbiose de psicologia e semiótica que nos faça sentir bem, nos dê conforto visual ao mesmo tempo que nos afasta da realidade, quase uma ilusão, uma fantasia.
A criação da ilusão e fantasia está hoje mais evidente pela utilização das novas ferramentas de IA, que estão à distância de um clique, de um conjunto de instruções, mas não é só a criação de mundos fantásticos, é também a criação de imagens sem a aparente necessidade de recorrer a novas fotografias, daí para alguns, muitos, o receio de que a fotografia comercial enquanto atividade esteja com a morte anunciada. Não o creio pessoalmente, acredito antes que passamos por mais uma fase em que a necessidade de adaptação se impõe, em o fotógrafo para além das competências específicas já antes requeridas, tem de passar a ter neste campo as valências de conjugação destas novas ferramentas de trabalho.
Acredito que as instituições de ensino, detêm um papel fundamental na junção dos conhecimentos teóricos e do pensamento com a aquisição da prática processual: a capacidade de agregar o “saber saber” com o “saber fazer”, a razoabilidade de integrar tecnologia e inovação com o pensamento crítico. Neste sentido, ver a IA como uma nova ferramenta capaz de permitir e ajudar a produzir novas imagens, que continuem a manter e a mostrar o espírito humano nos seus melhores valores. Ainda assim as preocupações existem, pois, como sempre tem acontecido quando a tecnologia é mal utilizada os resultados são nefastos, a IA está aí, depende de nós como a utilizamos dentro do processo de criação e a aceitamos, se calhar já não como fotografia, antes como uma infoilustração.
Octávio Alcântara, coordenador da licenciatura em Fotografia e Cultura Visual do IADE-EU