As notícias destacaram a proximidade da RBA à comunidade de Bragança. Não encontrei nenhuma que fizesse referência ao que dá origem a este acordo: o profundo estrangulamento económico das rádios locais em Portugal que, a meu ver, resulta de uma inadaptação da oferta ao potencial da procura, que é diminuto.
A história, contudo, remonta ao final da década dos anos de 1980. Como em muitas outras regiões do país, também empresários de Bragança concorreram para a obtenção de alvarás de radiodifusão. Recordemos, portanto, a história recente da rádio em Portugal para contextualizarmos a emergência de cerca de 300 rádios locais em todo o país.
Até ao 25 de Abril, Portugal contava com a Emissora Nacional, a Emissora Católica Portuguesa, Rádio Renascença, e o Rádio Clube Português que emitia em FM para todo o país desde a década de 1960. Existiam igualmente pequenas estações privadas, de carácter local ou regional em diversos pontos do país. Os anos que se seguiram à revolução de Abril foram marcados pelo aparecimento de centenas de estações de rádio. A regulação do sector tem sido um processo em evolução, cuja génese remonta a 1986, altura em que a necessidade de reordenamento do espaço radiofónico, face à multiplicação de rádios piratas e à escassez de frequências, levou à criação da Lei da Rádio. Neste contexto, surgiu a rádio Bragançana, RBA CRL, que obteve a frequência mais potente a concurso para aquela região. Ao que se sabe, a RBA implantou-se com alguma facilidade em Bragança, fruto da localização dos seus emissores, mas certamente, também da sua programação. Seguiu-se um período de expansão para a RBA – e certamente para a generalidade das rádios locais em Portugal (não nos esqueçamos do impacto dos fundos da União Europeia nas economias locais, da facilidade de acesso ao crédito, do crescimento no consumo e, portanto, também do investimento publicitário, bem como do dinamismo autárquico e das várias iniciativas de apoio ao desenvolvimento tecnológico da comunicação social local), criando, desta forma, um contexto que favoreceu um crescimento que não foi auto-sustentado porque, simplesmente, correspondeu ao segundo grande desafio, depois da desejada liberalização do sector: a viabilização económica das rádios locais, cujo encerramento, cedência de alvarás, abandono da vertente informativa de proximidade e estabelecimento de parcerias de retransmissão de conteúdos, demonstra a complexidade associada à rentabilização de um elevado número de rádios locais, num panorama legal e fiscal também ele extremamente complexo e pouco favorável a uma adaptação rápida de cada estação de rádio às constantes mudanças e, mesmo à evolução do mercado.
No caso da RBA, os anos entre 1995 e 2002 foram de crescimento, comprando estações de rádio na região (rádio Planalto de Mogadouro, por exemplo) para melhorar a cobertura de toda a zona a sul do distrito de Bragança. Procurando a liderança regional, a RBA adicionou ainda ao seu conjunto de frequências a rádio Pala Pinta de Alijó. À data da parceria com a Media Capital Rádios, através da M80, o grupo RBA era constituído por duas estações de rádio e três frequências que cobrem os Distritos de Bragança e Vila Real, Guarda, Viseu e Braga (estendendo-se ainda às províncias espanholas da Galiza e Castela e Leão), tornando-se num apetecível activo para a expansão de grupos de rádio que, sem acesso a concursos para atribuição de frequências nacionais, procuram ampliar a oferta dos seus projectos locais ou regionais de maior sucesso, alguns dos quais, sendo regionais, disputam as audiências das estações nacionais.
Na TSF, a crónica de Fernando Alves abordou os muros que a rádio derruba, numa perspectiva complementar às notícias que reflectiam o imediato. O facto em si mesmo, sem o seu contexto ou consequências. Porque é também há outro facto sobre o qual devemos pensar: no que, e no quem, facilitou esta decisão. Se a Media Capital Rádios comprou, é porque estava à venda. Se um programa foi cancelado, é porque o negócio não salvaguardou os conteúdos que caracterizavam a RBA. Se uma população perdeu um elo de ligação que representava, também, parte da sua identidade local, é porque, no fundo, a rádio sofre dessa dupla (ou múltipla) condição: ser um negócio e, simultaneamente um meio social, isto é, um meio comunitário, uma das primeiras redes sociais mediatizadas, que liga diferentes pessoas entre si que, passam, através da rádio, a pertencer a uma comunidade comum de interesses partilhados. Esta comunidade, em Bragança, já existia, mas a RBA deu-lhe forma e coesão.
Isso é o que está em causa: a sublime capacidade da rádio em unir pontos de contacto que antes estavam separados entre si. É por isto, especialmente isto, que a comunidade de Bragança ficou mais pobre. Porque o formato da M80, não se coaduna com este formato de rádio de proximidade (direi antes de aproximação) criando, contudo, outro tipo de elos entre a comunidade dos que escutam a M80. É um formato mais atractivo para os anunciantes e, portanto, mais rentável. Ainda que tenha criado uma fiel comunidade de ouvintes, ligando-os através da programação da rádio e dos eventos que organiza, irá certamente deixar fora desta comunidade aqueles que acordavam todos os dias com o Tio João, ou seja, Nicolau Sernadela.
Tenho dúvidas que seja a Media Capital Rádios a principal representante do ‘capitalismo selvagem’. Será antes a lei de mercado, que é também a lei do mais forte, a impor-se ao resultado da legalização das rádios locais no final dos anos de 1980 e a comprovar que o mercado Português é demasiado pequeno para o número de rádios locais que tínhamos (utilizo o verbo no passado propositadamente, pois das rádios locais legalizadas, menos de metade está, de facto, a operar numa lógica local. As restantes sofrem as consequências de um mercado liberal e de uma revisão recente desta Lei que ampliou os limites à propriedade).
Paula Cordeiro
Investigadora e Coordenadora da Unidade de Ciências da Comunicação no ISCSP
(Declaração de interesses: Paula Cordeiro é actualmente a provedora do ouvinte na rádio pública. Escreve na qualidade de investigadora na área da rádio)
Este artigo não foi escrito ao abrigo do Novo Acordo Ortográfico
Fonte: Briefing