O cérebro também come e bebe? Charles Spence acredita que sim

Como a estimulação sensorial influencia o que comemos e bebemos? É a esta pergunta que o neuropsicólogo Charles Spence vem dar resposta(s) hoje em Lisboa, numa talk integrada no evento Vinhos em Cena. Em entrevista à Briefing, antecipa que é possível enganar o cérebro e mudar as perceções dos consumidores. É a gastrofísica, um conceito que está já a ser testado em marketing.

 

Briefing | O que é a gastrofísica?

Charles Spence | Gastrofísica é uma nova abordagem à gastronomia e aos vinhos. Tivemos três décadas de ciência na cozinha que nos deram espumas e muitas outras técnicas, mas ninguém tem andado a pensar na ciência da mente do gastrónomo. É aí que entra a gastrofisica, estudando sistematicamente o impacto de tudo o que envolve a experiência gastronómica, desde o que se coloca no prato à luz e à música ambiente, passando pelos talheres e pelas emoções associada ao comer e ao beber. Começámos com cozinhas Fórmula 1, dos chefes com estrelas Michelin, para depois trabalharmos com as empresas alimentares e vínicas de modo a levar esta mensagem às massas.

Quantas ciência existe nos nossos hábitos gastronómicos?

Bem, potencialmente existe uma enorme quantidade de ciência que pode ajudar a explicar por que as coisas nos sabem como sabem: por exemplo, comer com talheres pesados faz com que a comida saiba melhor. Ou ainda qual o efeito no cérebro quando nos dizem que um determinado vinho é caro.

 A nossa perceção da comida influencia as nossas escolhas? Em que sentido?

Completamente. Virtualmente, nós nunca pomos nada na boca sem fazer uma previsão de como saberá e de como iremos apreciar a experiência.

Como podem as marcas tirar partido destas conclusões da neurociência?

As marcas podem tirar partido destes insigts de várias formas. Estamos a trabalhar com algumas empresas em torno do design multissensorial das embalagens, por exemplo. Para otimizar não apenas a aparência, mas também o modo como são sentidas e ouvidas quando o consumidor interage com elas. Com frequência, olhando para algumas pistas sensoriais pode ser benéfico para a experiência de produto. Além disso, as empresas no setor da alimentação e bebidas estão a ser encorajadas a reduzir a quantidade de açúcar e de gordura nas marcas preferidas pelo consumidor. No entanto, quando o fazem, muitas vezes o consumidor queixa-se e reclama o sabor original, que conhece e aprecia. O que fazemos é tentar entregar doçura através da cor da embalagem, enganando o cérebro.
Também estamos a trabalhar com marcas no sentido de testarmos eventos multissensoriais. Por exemplo, organizamos recentemente uma grande prova de vinhos, com 3000 consumidores, e provamos que a experiência de gosto e sabor e até a satisfação podem ser alteradas em 20% apenas mudando a cor da luz ambiente de vermelho para verde e emitindo música menos suave.

Diria que existem bons exemplos de estratégia de neuromarketing? 

Embora eu saiba, com toda a certeza, que conhecer como o cérebro funciona pode ajudar em determinadas circunstâncias, estou mais focado no comportamento. Até porque qualquer manifestação de interesse ou intervenção no mercado poderia influenciar a perceção e o comportamento. No entanto, a definição de neuromarketing tem-se alargado nos últimos anos e, atualmente, o termo também abrange testes comportamentais feitos através da internet e estudos de monitorização do movimento dos olhos. Atualmente, por exemplo, estamos muito interessados em perceber o modo como os olhos “viajam” através dos bonitos pratos criados pelos chefes com os quais trabalhamos.

fs@briefing.pt

 

Terça-feira, 12 Março 2019 13:08


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