O empreendedorismo jornalístico em Portugal é quase nulo e isso tem consequências no empobrecimento do panorama de conteúdos digitais. Porque é que isto se passa? Porque as universidades não ensinam empreendedorismo, os jornalistas não dominam as ferramentas digitais e ainda existe uma enorme aversão ao risco. Nos Estados Unidos o panorama é muito diferente, como quase tudo na área da comunicação o é. As universidades ensinam e estimulam o empreendedorismo e muitas funcionam também como incubadoras de startups de media. Por isso é que dezenas e dezenas de marcas nasceram como startups e hoje são produtos comerciais viáveis. Já é comum ver jornalistas especializados com o seu próprio blog carregado de conteúdos associado ao jornal onde trabalham – por vezes é o nome do jornalista que se transforma numa marca com valor próprio, como se viu recentemente quando a ESPN contratou Nate Silver ao New York Times e incluiu no negócio o seu blog 538. E ainda esta semana a Yahoo foi buscar David Pogue, um dos melhores jornalistas/bloggers de tecnologia, também ao New York Times.
A crise tirou capacidade de inovação aos títulos instalados e há cada vez mais espaço para quem pensa, age e escreve de forma alternativa. As oportunidades estão aí, e as plataformas digitais facilitam tudo: o custo das ferramentas é próximo de zero e qualquer negócio pode ser lançado a partir de casa; há cada vez mais formas de financiamento, desde os googleads ao crowdfunding, passando por micropagamentos; encontrar a audiência para o conteúdo também está facilitado graças às redes sociais e ao poder da recomendação. Portanto, o que faltam são boas ideias, espírito empreendedor e capacidade de trabalho.
Em Portugal, o melhor exemplo de empreendedorismo nos conteúdos jornalísticos é o Carrossel Magazine (www.carrosselmag.com), uma produção independente que aposta na originalidade e no longo formato. Uma das suas fundadoras, Joana Stichini Vilela*, assume que a identidade do projeto foi construída a partir de um nicho: “o espaço que ocupamos é um espaço que não existia: uma publicação online, com espaço para longas narrativas mas também para registos mais inesperados, muitas vezes sobre temas que não são os mais óbvios, dirigida essencialmente a um público entre os 20 e os 40 anos, embora haja lugar para qualquer tipo de leitor.” Hoje têm um espaço como queriam, onde podem “contar histórias que quase desapareceram dos média mais tradicionais, onde termos como ‘proximidade’, ‘reflexão’, ‘profundidade’, mas também ‘actualidade’ e ‘relevância’, não fossem considerados descabidos.” Sem qualquer fonte de financiamento que não seja o dos seus promotores, o Carrossel estará a ser reavaliado em termos comerciais, mas possui uma base segura. Apesar de viver sem divulgação que não seja a feita pelos próprios leitores, tem conseguido ultrapassar regularmente as 50 mil visitas mensais e tem já um acervo de conteúdos muito respeitável. Pode muito bem ser um exemplo para outros.
* Entrevistei a Joana Stichini Vilela sobre o Carrossel Magazine – o texto integral da conversa pode ser lido no meu blog, em www.academedia.pt