Vista Alegre: “Queremos ser uma marca de excelência global”

É uma das poucas marcas nacionais de luxo, mas tem produtos para todas as carteiras. Só podia ser portuguesa, mas almeja o mundo. Conjuga séculos de história com a necessidade de inovar. A Vista Alegre vive de contradições e é isso que a torna especial e duradoura. Aos 200 anos, a ambição é tornar-se global, revela o administrador com o pelouro do Marketing, Desenvolvimento de Produto e E-commerce, Nuno Barra. A parceria com Cristiano Ronaldo pode ajudar, facilitando a entrada na Ásia e no Médio Oriente. Em cima da mesa está também a transformação numa marca de lifestyle, com o desenvolvimento de produtos em áreas como têxtil e mobiliário, e com o reforço da cutelaria e da iluminação.

Vista Alegre: "Queremos ser uma marca de excelência global"

Briefing | A Vista Alegre comemora 200 anos. O que a torna uma marca icónica e o que justifica esta longevidade?

Nuno Barra | São várias coisas. A primeira foi o próprio momento da fundação, muito sonhador e contracorrente, porque tudo faria com que não se criasse a empresa, mas a própria visão do fundador acabou por criar uma comunidade em torno da fábrica. Essa visão humanista criou uma áurea. 

O fundador queria fundar uma empresa de porcelana ligada à cultura e à arte. E acabou por fazer algumas coisas muito interessantes, como criar uma escola de pintura, um teatro, uma banda, incentivar o desporto. Desenvolveu várias iniciativas para concretizar a ideia de que não conseguia ter uma fábrica ligada à arte e a cultura se os trabalhadores não tivessem cultura e não soubessem de arte. E isso acabou por criar uma áurea interessante que se foi espalhando. Criou uma comunidade em torno da fábrica, com esse espírito. Dizia-se que as pessoas que gostavam de ir trabalhar para ali, porque era uma fábrica muito fora do contexto da época. 

Por outro lado, a ligação à arte acabou por fazer com que marca fosse sempre acompanhando os movimentos artísticos das diferentes épocas, criando sempre peças muito do seu tempo ou mesmo à frente do seu tempo. Aliás, hoje, quando olhamos para trás, pensamos como foi possível fazerem determinadas peças naquela altura. É notável.

A marca acompanhou sempre os movimentos artísticos e nunca teve um grande filtro ou grande autocrítica no processo criativo. Houve sempre muita liberdade artística, muitas colaborações com artistas portugueses e estrangeiros – já na altura havia essa mistura. E foi-se criando essa áurea em torno da insígnia. A preocupação em ser uma marca relevante do seu tempo foi dando essa importância à Vista Alegre. 

Como é que uma marca bicentenária mantem a tradição e ao mesmo tempo consegue inovar, numa altura em que o consumidor tem exigências cada vez mais rápidas? Como é que se consegue alcançar este equilíbrio? 

A gestão do equilíbrio entre tradição e modernidade é um desafio grande para uma marca que tem uma herança histórica bem longa, porque se não for bem feita, pode cair no erro – e é relativamente simples cair nesse erro – de fazer coisas que não têm que ver com a própria marca ou com o objetivo de se tornar relevante no seu tempo. 

O que é, para nós, fundamental é que é da tradição que se deve se partir para criar o futuro. Isso implica saber muito bem o que é a personalidade da marca, qual é o seu ADN, os seus valores, o pode fazer e o que não pode fazer, até onde é que pode levar alguma excentricidade – que também é importante nas marcas, para elas estarem vivas. Uma marca não pode estar sempre fechada no seu círculo normal, de vez em quando tem de saber transgredir, mas mesmo a transgressão tem que ser calculada. E, portanto, sabendo isso, vai evoluindo. 

E o que é, de facto, identitário da marca? 

A marca tem várias coisas muito próprias. A primeira é a qualidade, ou a excelência, daquilo que se faz, e ter muita atenção aos detalhes. A segunda, curiosamente, é o domínio da cor. A conjugação de cores, a sua força, é uma coisa que caracteriza muito a Vista Alegre. 

Há também elementos, como o tema floral e a botânica, que marcam muito a personalidade da marca. Os anos 20/30 do século XX marcaram profundamente a Vista Alegre e, a partir daí, passa a haver algum caráter de Art Déco em quase tudo. Curiosamente, mais tarde, o cristal também acabou por ser muito influenciado. Além, claro, dos valores da marca, como a arte, que a caracteriza desde sempre.

A portugalidade é também um valor da marca? A Vista Alegre só podia ser portuguesa?

É curioso que os valores da Vista Alegre são contraditórios, e é também isso que a torna especial. A personalidade da marca engloba o contraste entre modernidade e contemporaneidade, entre excelência e inclusão. Normalmente, a excelência é menos inclusiva, mas a Vista Alegre também é inclusiva, porque apesar de ser uma marca que se associa a um preço mais elevado, também tem produtos que são acessíveis a toda a gente, porque o Rei D. João VI, quando deu autorização ao fundador para criar a marca, passou a mensagem, nos autos de aprovação, que a empresa devia procurar a excelência, fazer produtos para a nobreza, mas não devia descurar o povo, devia fazer produtos para todos, devia ser uma marca democrática. Daí que, hoje em dia, qualquer pessoa entra numa loja e pode comprar, porque há produtos acessíveis.

Outro dos contrastes é entre a portugalidade e o universalismo. Também parece contraditório, mas não deixa de ser verdade que tem um olhar sobre o mundo. É uma marca muito aberta, que é algo óbvio para nós, portugueses, mas que não é assim tão evidente. Colabora com artistas brasileiros, alemães, ingleses, americanos, asiáticos e consegue manter alguma coerência no seu portefólio, sempre com uma visão que tem alguma portugalidade no processo. Quando colaboramos com designers estrangeiros, o primeiro passo é sempre virem cá, perceberem o que é a marca e trabalharem em conjunto com a equipa de design portuguesa. Acaba sempre por haver alguma influência, seja pela visita que fazem, seja pela própria equipa interna, que lhes transmite alguns valores de portugalidade. É um olhar português sobre o global.

Portanto, a Vista Alegre tinha de ser portuguesa. Claro que se for analisar alguns produtos isoladamente, há uns em que não é tão fácil ver a portugalidade e há outros mais percetíveis. Mas mesmo os temas óbvios ganham com a colaboração. Por exemplo, uma coleção sobre calçada portuguesa, os portugueses fazem uma interpretação comum a todos, e uma pessoa de fora traz um olhar diferente. Para tornar um produto global, quando o tema é português, vamos buscar alguém de fora, e quando o tema é exterior, vamos buscar um português. Portanto, a marca anda sempre na fronteira da contradição.

De que modo contribui o fator portugalidade para a presença a nível internacional? A marca é identificada internacionalmente como portuguesa?

Os mercados internacionais procuram, sobretudo, autenticidade, e associam a marca Vista Alegre a Portugal. Fazemos sempre questão de fazer essa ligação, mas não no logotipo. A mensagem deve passar pela qualidade do produto e pela comunicação.

Sofia Dutra

*Esta entrevista pode ser lida na íntegra na edição impressa de dezembro de 2024

Quinta-feira, 26 Dezembro 2024 09:07


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