As sondagens também vão a votos

O analista de comunicação Luís Paixão Martins fala, na 1.ª Pessoa, sobre as sondagens nas presidenciais dos EUA.

As sondagens também vão a votos

As eleições presidenciais dos Estados Unidos, no próximo 5 de novembro, estão a gerar uma enorme expectativa global face ao dramatismo associado ao seu desfecho mas existe uma questão específica que recolhe as atenções do povo do marketing: será que é desta que as sondagens pré-eleitorais voltam a ser fiáveis?

Por estes dias, várias vezes ao dia, são tornados públicos os resultados de estudos de opinião feitos a nível nacional e a nível de estado, seja para a presidência, seja para os governadores, seja para os outros titulares de cargos públicos que vão ser votados. A lista de “pollsters”, de companhias a instituições universitárias, ultrapassa as três dezenas e existem mesmo “ratings” dessas entidades (A+, B-, etc.) em função do seu histórico.

Estamos, pois, perante uma indústria importante, muito experiente e testada, que nos inunda de informações através dos vários media (em especial, as redes de televisão) e que origina, desde há perto de duas décadas, o subproduto dos agregadores (“poll of polls”) e dos “probabilistas”.

Nate Silver, autor de “The Signal and the Noise”, é atualmente o mais conhecido desta atividade por ter previsto corretamente os resultados em algumas eleições (e falhado noutras). Outro é G. Elliot Morris, autor de “Strength in Numbers”, um jornalista que procura explicar e dar o contexto às sondagens divulgadas por organizações como Ipsos (que produz estudos diferentes para ABC TV e Reuters, entre outros), YouGov (Times, Yahoo News, The Economist), e Siena (NYT). As empresas de referência global do “marketing research”, como Nielsen, Kantar, Gallup, GfK, assim como o prestigiado Pew Institute, não fazem sondagens eleitorais, pelos menos nos Estados Unidos. Não trocam a visibilidade pela reputação.

Apesar do dinamismo do mercado, a história eleitoral dos Estados Unidos está povoada de episódios desfavoráveis para as empresas de sondagens. O mais divertido de todos, visto à distância de 70 anos, está expresso na foto de Truman, acabado de ser eleito presidente, exibindo o exemplar de um jornal que o dava como derrotado.

Não se julgue, no entanto, que se trata de algo datado no tempo. Meio século mais tarde, em 2016, todas as sondagens previram a vitória de Hillary Clinton e, afinal, como sabemos, quem venceu foi Donald Trump. Manda a verdade que se diga que Clinton foi a candidata que obteve maior número de votos mas isso não é suficiente para garantir a maioria de um colégio eleitoral mandatado pelos estados. “Descobriu-se” que existe um enviesamento de representação que favorece os republicanos entre 2 e 4 pontos percentuais (neste ano será de 2,1, segundo os especialistas).

Seja como for, não foi por causa desse viés que as sondagens erraram. Erraram porque, como se auditou depois, as amostras tinham subrepresentados os homens brancos com pouca instrução e estes, em lugar de se absterem, decidiram marcar o seu protesto pós-industrialização clássica.

Viveu-se um período de autocrítica dos media que tinham publicado as previsões (nisso os media norte-americanos são muito diferentes dos portugueses…), corrigiu-se o que havia a corrigir e esperou-se pela eleição seguinte.

Em 2020, os resultados eleitorais refletiram os dados das sondagens na vitória de Joe Biden mas, angústia das angústias, ela não teve o “landslide” antecipado. Na realidade, falharam na projeção dos resultados por diferença ainda incrivelmente maior que a de 2016. Foi a pior performance das sondagens desde há 40 anos, confessou a embaraçada presidente da associação das empresas de estudos de opinião.

Porque tal aconteceu? Biden teve, de facto, mais 7 milhões de votos do que Trump, mas a sua vitória ficou a dever-se a cerca de uns 40 mil votos de diferença em quatro estados “swingers”.

Em consequência, na presente campanha eleitoral estamos a dar muito maior atenção aos dados obtidos em alguns estados do que aos dados nacionais. Neste momento, parece uma evidência que Kamala Harris, a candidata democrata, obterá a maioria do voto popular. Mas, para vencer as eleições, terá de conseguir ficar à frente, por exemplo, nos estados dos Grandes Lagos – Pensilvânia, Michigan e Wisconsin. Ou em alguns outros como Nevada, Georgia, Arizona, Carolina do Norte.

Trump já “venceu” estas eleições por duas vezes: após o debate contra Biden e a seguir ao tiro na orelha esquerda. E, no entanto, as consequências desses momentos foram muito efémeras numa época em que o ciclo noticioso é de apenas algumas horas. Nas últimas semanas, o movimento de passagem dos indecisos em votantes tem sido mais favorável a Harris.

Seja como for, e citando de memória o próprio G. Elliott Morris, se quiser uma previsão eleitoral não pergunte a um “pollster”. Ele falar-lhe-á das incertezas e das dificuldades das sondagens. Pergunte a um comentador de TV.

Luís Paixão Martins, analista de comunicação e autor de “Como Mentem as Sondagens”

 

Segunda-feira, 28 Outubro 2024 12:04


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