Sabe, certamente, que o sistema eleitoral norte-americano é muito diferente do nosso. Que as campanhas têm regras diferentes das nossas. Mas é fácil perdermo-nos. Aqui fica um guia para se perder ainda mais. Sem opiniões.
Não há uma eleição presidencial. Há 50 eleições presidenciais. As 50 eleições decorrem no mesmo dia. 5 de novembro.
Não há só 50 eleições presidenciais. Há 435 eleições para o congresso, 33 para o senado, 85 eleições legislativas estaduais e 34 eleições autárquicas. Pelo menos estas. O sistema federal prevê eleições de dois em dois anos (midterms), com eleições presidenciais de quatro em quatro. Na prática, o país está (quase) sempre em campanha e tem estruturas altamente profissionalizadas e especializadas.
Não há só dois candidatos presidenciais. Há cinco candidatos presidenciais no boletim de voto. Em 2022, os “outros candidatos” tiveram mais de três milhões de votos. Um dos mais baixos resultados de sempre. Em 2016, os “outros candidatos” somaram quase sete milhões de votos e podem ter sido os “responsáveis” pela derrota de Hillary Clinton.
Todos os norte-americanos podem votar. Os Estados Unidos da América têm uma população de 333 milhões de pessoas. Desses 333 milhões, 262 milhões têm idade para votar. Desses 262 milhões, 244 milhões registaram-se para votar este ano. O registo é obrigatório em 49 dos 50 estados e tem de ser realizado em cada eleição. Registar votantes “amigos” é quase tão importante como os anúncios de campanha.
O candidato mais votado vence as eleições. Nem o candidato mais votado, nem o candidato que vence mais estados. Em 2016, por exemplo, Donald Trump “perdeu” as eleições por dois milhões de votos e foi eleito presidente. Na prática, não é o presidente que é eleito. Existe um colégio eleitoral com um total de 538 grandes eleitores. Cada estado elege um número de grandes eleitores proporcional à sua população (por exemplo: o Alasca elege três grandes eleitores e a Califórnia 40). O vencedor do estado elege todos os grandes eleitores desse estado. Também há estados, tradicionalmente, democratas. E estados tradicionalmente republicanos. Os estados que alternam entre os dois partidos são os chamados “swing states”. Por isso é que os candidatos investem mais tempo (e recursos) nuns estados que nos outros.
Biden era um péssimo candidato. Biden foi eleito, em 2020, com 81 milhões de votos. A maior votação de sempre num candidato presidencial. Com o seu estilo único, Trump contribuiu para que 2020 fossem as eleições mais participadas de sempre (a abstenção, entre os eleitores registados, ficou em pouco mais de 30 %). E 2024 deverá seguir o mesmo caminho. E isso traz uma (ainda maior) imprevisibilidade ao resultado.
Trump é um péssimo candidato. Quando foi derrotado, em 2020, Trump teve 74 milhões de votos. A maior votação de sempre de um candidato republicano. Mais dez milhões de votos que Bush na sua reeleição. Mais 11 milhões de votos que quatro anos antes. Significa isto que Trump, em quatro anos de mandato, “converteu” mais 11 milhões de americanos. Apesar de esse aspeto ser normalmente negligenciado pelos media, a maior parte dos eleitores (51 %) considera que Trump foi mesmo um bom presidente. Biden está nos 41 %.
Trump tem péssima imprensa. O canal de notícias mais visto é a FOX News (mais pró-Trump) e só muito depois vem a CNN. Mesmo assim, a FOX News faz uma média de 1,2M de telespectadores. Menos de 0,4 % dos eleitores registados. O debate com Kamala Harris terá sido visto por 67 milhões de pessoas. Mais ou menos um quarto dos eleitores registados. Mas bem acima dos 51 milhões do debate Trump-Biden em 2020. Se o eleitorado não está a ver televisão, o que está a ver? 193 milhões de americanos têm uma conta de facebook, 169 milhões de Instagram e 106 milhões de Twitter. Em 2021, Trump foi banido do Twitter e lançou a sua própria rede social: Truth. A plataforma terá entre 600 mil e cinco milhões de seguidores. Depois de adquirir o Twitter, Musk convidou Trump a regressar. O candidato tem 97 milhões de seguidores e voltou a publicar nesta rede para a campanha. Kamala está nos 27 milhões de seguidores.
Mas o apoio da Taylor Swift é importante. Poucos passam ao lado das eleições americanas. E o apoio, ou “endorsement”, é a regra. Isto é válido para grandes empresários, celebridades, desportistas, atores ou mesmo para os media. Televisões, jornais e rádios assumem o seu apoio a um dos candidatos. Trump conta com o apoio de figuras como Elon Musk, Tucker Carlson ou Mike Tyson. Mas é Kamala quem ganha na corrida pelos apoios: Oprah Winfrey, Martha Stewart, Spike Lee e centenas de outras celebridades estão (tradicionalmente) com os democratas.
Estou a acompanhar a campanha pelas notícias. O instrumento mais importante da campanha presidencial são os anúncios (pagos) na televisão. Essa também é a principal despesa dos candidatos – em Portugal, a lei eleitoral não permite recorrer a anúncios pagos. O custo total da campanha presidencial de 2020 terá chegado ao máximo histórico de seis mil milhões de dólares (5.8MM de euros), com os democratas a gastaram três vezes mais do que os republicanos. Este valor é mais do dobro das eleições de 2016 e dificilmente se repetirá em 2024. Além da campanha paga, as direções de campanha segmentam e personalizam as mensagens por religião, cor de pele, local de residência, género, estado civil, idade, orientação sexual, rendimentos, serviço militar e dimensão da sua comunidade. Isto significa que, em vez de uma campanha, existem dezenas de “campanhas” a decorrer paralelamente. Na prática, acompanhamos pouco. Ou quase nada.
Rodrigo Moita de Deus, diretor do NewsMuseum