A chapada de luva branca ao Reino Unido

Infelizmente, tinha de ser da forma mais pesarosa possível. Com a morte de milhares e o adoecimento de muitas mais. Depois de um Brexit que – para o bem e para o mal – parecia ter encarrilado o destino do país, com metade do país de nariz empinado e a outra metade a encolher os ombros, eis que de mansinho chega um vírus que, sem dó nem piedade, borrifa-se para cores políticas, raças, credos, nacionalidades e estatutos sociais.

 

Ok que o mesmo aconteceu, mais cedo ou mais tarde, na maior parte dos países. Mas com a soberba britânica em alta, este coronavírus relembrou a toda gente, desde Southampton, no sul, ate às Highlands, no norte da Escócia, que, na altura de vestir o pijama de madeira, vamos todos deitados. E é ver toda a gente a puxar para o mesmo lado. Em casa ou no trabalho essencial, a maior parte das pessoas está a cumprir os requisitos do governo. Londres continua a ser o polo multicultural que se conhece – basta ir aos hospitais, andar de transportes públicos ou dar um salto a qualquer supermercado e constata-se que a grande maioria da força essencial da capital inglesa é Indiana, espanhola, italiana, portuguesa, paquistanesa, grega, turca, brasileira, africana e/ou venezuelana. Ficou, aliás, a saber-se, pela voz do próprio primeiro-ministro, Boris Johnson, que, de entre vários profissionais de saúde que lhe salvaram a vida, uma neozelandesa e um português destacaram-se dos demais. Nada de novo.

 

Não deixa de ser interessante, contudo, o quão ensurdecedor o silêncio dos brexiteers é, neste momento. Foi preciso o derradeiro sacrifício de tantos – demasiados! – para todos se lembrarem que, quando realmente interessa, há coisas mais importante que sotaques e pigmentação da pele. Mas vá, se há males que vêm por bem – e, obviamente, preferia que este mal nunca sequer tivesse vindo para começar – então que esta chapada de luva branca acorde quem de direito, neste caso o senhor primeiro-ministro, para mudar o paradigma social e alavancar a sua própria ressurreição. Não quero entrar em politiquices, mas, se ainda há dúvidas de que a medida pela qual uma nação deva ser avaliada tem de ser – só pode ser – a forma como trata os mais desfavorecidos, os enfermos, os mais velhos e como a próxima grande plataforma política é o bem-comum e o ambiente, então ficaram dissipadas. Pelo menos para mim. De nada serve, neste momento o poder económico ou as ideias isolacionistas do Reino Unido. Estamos todos juntos no mesmo barco. E esse barco poderia ser maior, mais sólido e mais solidário caso o UK ainda estivesse na União Europeia. Mas agora é chover sobre o leite derramado. Como alias vi várias vozes – antes brexiteers – nas redes sociais perguntarem: “Mas porque a União Europeia não faz nada para nos ajudar?”. Ai… mas então?

Bom, este texto era para ser sobre como a vida no Reino Unido continua, working from home, mas exaltei-me. Nesse ponto, tudo normal. As pessoas já o fazem há muitos anos. Qualquer empresa dá flexibilidade aos seus trabalhadores para uma vez por semana – ou, pelo menos, uma vez por mês – para trabalhar a partir de casa. Por isso, a adaptação foi rápida e simples. A aliar a isto, o sistema de entregas ao domicílio, quer seja da Amazon, quer seja dos supermercados ou de serviços como Just Eat, Deliveroo e Uber Eats é supereficiente. É de referir ainda que, de forma geral, há uma atitude positiva por parte dos britânicos que é de enaltecer. Um chutar da bola para frente, que tudo vai ser melhor. Meio blasé, meio reconfortante, mas que nos ajuda a passar o tempo, a ultrapassar esta pandemia. Nisso, não há povo melhor. Logo, por muito chato que seja, não há muito por onde nos queixarmos. Tirando um abraço ou dois. Isso, sim, faz muita falta.

 

Frederico Roberto, diretor Criativo Executivo da Interweave

briefing@briefing.pt

 

Quarta-feira, 13 Maio 2020 10:45


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