A opinião de… Diana Carvalhido

A diretora criativa e Partner da Ivity analisa o podcast como ferramenta de marca e de marketing, considerando positivo que a utilização deste formato tenha decrescido abaixo dos níveis pré-pandemia. 

A opinião de... Diana Carvalhido

O ano é 2020. Uma pandemia afetou milhões de pessoas em todo o mundo. Um novo presidente eleito nos EUA substitui um vírus chamado Trump. Uma explosão no porto de Beirut mata mais de 200 pessoas e deixa milhares feridas. O resto do mundo também arde, em especial a Austrália e a Califórnia, com incêndios florestais devastadores que deixam ainda mais doente o pulmão do mundo. Respiramos fundo com um acordo de paz entre os Emirados Árabes Unidos e Israel. George Floyd deixa de respirar, estrangulado por um polícia, e o movimento Black Lives Matter ganha um novo fôlego nos Estados Unidos e um pouco por todo o mundo. Por todo o mundo, os podcasts têm o seu melhor ano de sempre. 

Se 2023 vai ser claramente o ano do AI, em 2020 o “meta” foram os podcasts (e o pão feito em casa). Certamente robustecidos pelo aborrecimento das pessoas que, enfiadas em casa, procuraram novas formas de consumir informação, a produção de conteúdo neste formato cresceu mais que o pão com fermento nas centenas de milhares de fornos das cozinhas de todo o mundo.

De acordo com a Chartable, cerca de 900.000 novos podcasts foram lançados em 2020, quase o triplo do ano anterior. Quase 30% dos podcasts criados tinham apenas um ou dois episódios, um sinal de que os criadores de conteúdo estavam a testar o formato; cerca de metade dos novos programas foi produzido em línguas sem ser o inglês; e os podcasts em português registaram a terceira maior taxa de crescimento: 780%. 

Mas e em 2023? Depois de uma pandemia e de toda a gente ter deixado de fazer pão em casa, o formato podcast desceu abaixo dos níveis pré-pandémicos. E isso, a meu ver, é bom. 

Sempre que há uma adoção em massa de um novo “meta”, há uma corrida irracional de pessoas, empresas e marcas para esse novo “meta”. Uma espécie de Black Friday macro, em que um produto muito sexy está a um preço mesmo baixo e, mesmo que não precisemos dele, ele tem que ser nosso. Porquê? Não sei, mas quero.

Foi assim o ano passado com os NFTs e o metaverso, em que centenas de marcas adultas decidiram investir milhões a criar as suas próprias versões desses conceitos, sendo que a maior parte delas acabou com uma mão cheia de nada ou, pior (o que é pior que uma mão cheia de nada?), como é o exemplo da Meta. A Meta voltou atrás e retirou a utilização de NFTs no Instagram e Facebook, 10 meses depois de lançar essa funcionalidade ainda em formato beta. “Continuaremos a investir em ferramentas fintech que as pessoas e as empresas vão precisar para o futuro. (…) Vamos concentrar-nos em áreas onde podemos causar impacto em grande escala, como mensagens e oportunidades de monetização para Reels.”, disse Stephane Kasriel, Head of Commerce & FinTech. O que é particularmente extraordinário no meio disto é que, em maio de 2022, podia ler-se no medium do próprio um artigo com o título “Where the Metaverse Can Take FinTech” que começava da seguinte forma: “We are at an inflection point. The beginning of the next chapter for the internet. (…). The metaverse will transform the way people connect, businesses grow, and creators make a living.”. Maravilhoso, não é? Meta, mas mórfico. Kafkiano. 

Foi assim com os NFTs e o metaverso, como foi e está a ser com os podcasts. Como foi e será sempre que se faz uma prova de conceito de uma ideia potencialmente transformadora. Depois da euforia, dos acordos multimilionários com hosts como o Joe Rogan, e de gigantes como o Spotify terem atirado outro tanto para o colo deste formato, o “noise” nos podcasts está a acalmar e esse é, para mim, o melhor momento para se construírem as coisas: com o que se aprendeu no passado e com as possibilidades do futuro.  

Portanto: faz sentido as marcas utilizarem podcasts como ferramenta de marketing? Faz. Faz sentido todas as marcas utilizarem podcasts como ferramenta de marketing? Não faz. É claro que todas as marcas devem estudar os seus meios de comunicação de acordo com um conjunto de pressupostos — desde a pertinência da mensagem à pertinência do target. Mas há meios que são mais no brainer (e baratos) que outros. Decidir criar um podcast não implica a mesma tomada de decisão e investimento que fazer um anúncio de imprensa. Mas também não precisamos de criar uma season com 12 episódios de 1h para provar que um determinado podcast pode ser altamente eficiente como ferramenta para uma marca. Uma marca pode simplesmente patrocinar ou ser naming sponsor de um determinado podcast (um pouco como se faz nos estádios e salas de espetáculo por todo o mundo). 

Podem também ser criados, por exemplo, episódios piloto, como Proof of Concept (PoC), mas, mais importante do que isso, como Proof of Value (PoV). O PoC demonstra que é tecnicamente possível. O PoV vai demonstrar-nos, através do teste num ambiente controlado e monitorizado para avaliar desempenho e eficácia, se a solução tem potencial para ser implementada numa escala maior.

Portanto, fazendo um breakdown dos pain points que as marcas devem considerar se quiserem ter uma voz enquanto podcasts:

  1. Objetivos: definir o que quer alcançar: aumentar a notoriedade da marca, gerar leads ou criar uma relação mais próxima com o target.
  2. Identidade: refletir a personalidade e os valores da marca. A voz, o tom e o estilo devem estar alinhados com a sua identidade.
  3. Relevância: é importante que o conteúdo seja relevante para o target.
  4. Regularidade: a consistência é fundamental para construir uma audiência fiel e com engagement
  5. Qualidade de Produção: garantir que o conteúdo é ouvido de forma clara.
  6. Comunicação: construir uma estratégia de divulgação para ampliar a exposição.

(Disclaimer: participando no “meta” deste ano, utilizei AI para construir os pontos acima. A resposta foi bastante boa, sendo que, naturalmente, melhorei-a e alterei-a. Não, a AI não vai substituir-nos para já. Não, nem com o novo GPT-4). 

Fazia sentido os CTT fazerem um podcast sobre as geografias onde as suas encomendas chegam? Talvez. E se a BIAL criasse um programa sobre a forma como a investigação científica está a mudar e a melhorar o mundo? Podia ser interessante. E se os seguros LOGO, em vez de utilizarem a Joana Maques como rosto da campanha de rebranding, tivessem cocriado uma mini série de conteúdos para a marca? Era extremamente agradável. 

Há um conjunto de atores sociais, sobretudo nos layers mais novos da população, que estarão mais dispostos a consumir informação áudio em detrimento da escrita. Com o advento da multicanalidade, o multitasking multiplicou-se. Não fui buscar dados que suportam esta afirmação, porque não acho que seja preciso. Basta olhar à nossa volta: dos nossos pais aos nossos filhos e amigos, é mais que normal o consumo simultâneo de computador e telemóvel, por exemplo. 

Tomando-me como exemplo de use case: o podcast que sigo com mais assiduidade é o do Bankinter. Todos os dias recebo do Bankinter por e-mail a newsletter “BK Research” e pelo Spotify a notificação do podcast “Análise Bankinter Portugal”. Opto, 90% das vezes, pelo segundo — porque consigo ouvir enquanto vou para o trabalho ou se estiver a executar algum trabalho que me permita repartir a atenção. Apesar da newsletter ser mais rica, o podcast funciona como um shot concentrado de informação e melhora a minha relação com a marca — o Bankinter estará, para mim, mais no top of mind de mercados quando penso no assunto.  

Por isso, sobre o tema, acabo como começo: para mim, os podcasts como ferramentas de marca e de marketing, não são para quem quer, são para quem pode. Para as marcas que podem encontrar um ângulo no seu produto ou serviço que faça sentido investir no formato, para as marcas que podem apostar nos podcasts como stretch de comunicação para chegar ao seu target ou prospects, ou ainda para as marcas que têm dinheiro suficiente para apostar neste meio como um wild card e testar inovação. Nestes casos, quem pode, pod-cast.

Diana Carvalhido, diretora criativa e Partner da Ivity

 

Terça-feira, 16 Janeiro 2024 10:42


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