A opinião de… João Barros

O docente da Escola Superior de Comunicação Social dá a conhecer a sua visão sobre o uso de Inteligência Artificial na criatividade.

João Barros

Em 1968, Spencer Ferguson Silver, um químico norte-americano, estava a tentar desenvolver uma cola para utilizar na construção de aeronaves, mas o resultado foi, aparentemente, um enorme falhanço: o produto resultante era um adesivo leve, mas pouco pegajoso. Ou seja, era uma cola que colava mal.

Alguns anos mais tarde, o seu colega Art Fry, que cantava num coro e por isso necessitava de ter marcadores no livro para aceder rapidamente às diferentes canções, enfrentava o problema de que esses marcadores estavam constantemente a escorregar e a cair. Colá-los com fita cola, por exemplo, não era uma solução, porque depois, ao arrancá-los, danificava o livro. Art Fry precisava de um marcador com uma cola que colasse mal.

E foi assim que, juntando a necessidade de um e o produto do outro, foi lançado, em 1977, o Post-it, que hoje está presente em quase todos os escritórios.

Esta história, além de curiosa e de constituir uma boa reflexão sobre a relatividade do que chamamos falhanço, mostra-nos como a vida raramente é um caminho direitinho.

Por exemplo, “Smells Like Teen Spirit” é uma das canções mais emblemáticas da banda norte-americana Nirvana e terá já um lugar de destaque na história da música. No entanto, o curioso é que a canção nasce após Kathleen Hanna, na altura vocalista da banda Bikini Kill e amiga de Kurt, ter grafitado na parede “Kurt Smells Like Teen Spirit”.

Cobain interpretou a frase como tendo um significado figurativo, mas esta era, na verdade, literal. O que Hanna pretendia dizer era que Cobain cheirava a um desodorizante chamado Teen Spirit, que a sua namorada, Tobi Vail, usava.

A Inteligência Artificial (AI) é uma ferramenta poderosa e já todos percebemos que trará consigo alterações fortes na forma como interagimos com o mundo e entre nós. Naturalmente, a Publicidade e o Marketing não ficarão imunes. Mas não foi isso que aconteceu quando desenvolvemos a escrita e criamos a roda, o automóvel, o telefone e o computador? Há ferramentas que marcam épocas e isso faz apenas parte do desenvolvimento humano.

A AI tem capacidades únicas que podem permitir desenvolvimentos únicos, mas sosseguem-se os publicitários e marketeiros: enquanto formos criativos e soubermos fazer perguntas, não há razões para ter medo do ChatGPT e dos seus amigos.

Woody Allen dizia a Diane Keaton, no filme Manhattan: «Conheces muitos génios. Devias andar com gente estúpida para aprender alguma coisa». E um manifesto da marca Diesel, já com alguns anos, dizia que os estúpidos são os únicos com coragem suficiente para fazer o que alguém no seu perfeito juízo nunca faria. Porque os estúpidos sabem que há coisas piores do que falhar… como, por exemplo, nem sequer tentar.

Mais que uma campanha, parece-me uma lição de vida. Mas se calhar sou estúpido.

O que quero dizer é que, acima de tudo, nas áreas que implicam criatividade, não há razões para recear a AI. Até porque as melhores ideias são estúpidas. E, na estupidez, ninguém bate os humanos.

João Barros, professor adjunto na Escola Superior de Comunicação Social

Quinta-feira, 13 Abril 2023 12:55


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