Anatomia de uma crise: o caso Ensitel

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À hora da publicação deste texto, o “caso de crise Ensitel” (que vou assumir conhecido de todos) não tem ainda 48 horas. No entanto, é já considerado um “case study” de comunicação de crise gerada nos social media e amplificada pela generalidade dos meios de comunicação ditos tradicionais.

Um simples conflito de consumo tornou-se num desproporcionado problema de reputação corporativa.

A principal conclusão, para já, é que a Ensitel (à semelhança da BP na crise do Golfo do México em Maio) se enredou no território da litigação sem uma mensagem ao público que denotasse qualquer entendimento da bomba comunicacional que lhe rebentou nas mãos . Um tema tão sensível como a gestão da reputação e da comunicação de crise foi engolido por uma cautelosa e vazia retórica jurídica.

A dimensão da crise

Acompanhei o “nascimento” do caso pelas 23:00 de segunda-feira, dia 26, no Twitter. No dia seguinte, ontem, o caso estava reproduzido em todos os sites dos meios de comunicação, escrita, on-line e rádio, e foi alvo de um breve apontamento, ao fim do dia, na RTP2.

A referência nos meios ditos tradicionais surge como que uma “legitimação” do buzz gerado nas redes sociais. De facto, em menos de 24 horas, a dimensão da crise alastrava-se do seguinte modo:

– Mais de 200 blogs escreveram e opinaram sobre a atitude da marca e a posição da consumidora

– Milhares de comentários (crescentemente) negativos foram postados na página do Facebook da marca (depois de algumas horas em que os comentários foram sistematicamente apagados)

– Dezenas de milhar de “tweets”, onde #ensitel foi a hashtag mais utilizada no Twitter em Portugal durante 24 horas seguidas

– Criação de uma “página de ódio” no Facebook (“Nunca mais compro nada na Ensitel”) que em poucas horas reuniu milhares de aderentes

– Uma página na Wikipédia, filmes no YouTube e até “bad tips” no Foursquare.
Tudo isto em menos de 24 horas.

A resposta

O comunicado emitido pela Ensitel (postado no Facebook e distribuído como nota de imprensa) caiu como um balde de água fria, ou melhor, como gasolina na fogueira das redes sociais.

Reproduzo ipsis verbis, porque cada palavra e cada vírgula espelham a minha conclusão no início deste texto: “COMUNICADO – by Ensitel on Tuesday, December 28, 2010 at 5:37pm – A Ensitel, Lojas de Comunicações, S.A. (“Ensitel”) está a ser confrontada com um conjunto de declarações divulgadas através das redes sociais Facebook e Twiter, decidindo por isso, apresentar o seguinte breve esclarecimento:

A “Ensitel” não põe minimamente em causa qualquer tipo ou forma de liberdade de expressão, mas repudia, rejeita e não aceita ser alvo de uma autêntica campanha difamatória, assente em factos absolutamente falsos que têm como único intuito denegrir a imagem e boa reputação que a “Ensitel” construiu ao longo de 21 anos, apenas porque o cliente não se conformou com uma decisão judicial que lhe foi desfavorável.

Nestes 21 anos de existência, os clientes têm sido e continuarão a ser o maior valor da Ensitel, garantindo a mesma, que todos os seus direitos são preservados e salvaguardados. A Administração”

Um dos “mandamentos” da gestão crise nos social media é precisamente a resposta, que deve ser rápida para evitar a escalada de comentários, e esclarecedora, para acalmar os ânimos. O “efeito bola de neve” (ou “avalanche” como lhe chamou Miguel Martins do Expresso) é incontrolável nestes ambientes e, a determinada altura, as pessoas começam a canalizar ódios e recalcamentos para a marca, que funciona como um tubo de escape.

Este fenómeno de reacções é também reflexo de uma crescente desconfiança das pessoas relativamente às empresas, às quais são cada vez mais exigidos elevados níveis de transparência e diálogo.

Como escrevi no blogue “Lugares Comuns”, em situações de grande revolta, as pessoas apenas querem ouvir da marca ou da empresa o reconhecimento de um erro em que elas acreditam profundamente e o seu desejo é ver a empresa passar a um novo patamar de diálogo.
Ora, a Ensitel não estabeleceu qualquer diálogo nas redes, e produziu uma resposta “opaca” que não indiciou qualquer sinal de tréguas.

Implicações

Qual será o resultado real e concreto de toda esta crise, não sabemos. Existem ainda algumas oportunidades para a marca recuperar a sua reputação. Acredito que este episódio aconteceu num momento particular, com uma consumidora também especial, porque influente, e que uma boa estratégia de comunicação e relações públicas, a par de um reconhecimento e entendimento dos social media, poderá limitar os danos para a marca.

Como em muitos outros casos, os episódios mais negros, se bem geridos, não resistem à passagem do tempo e ao acalmar dos ânimos e, finalmente, ao esquecimento.

Mas uma coisa é certa: O caso Ensitel entrará nos anais da comunicação de crise em Portugal. Seria bom se, do ponto de vista da aprendizagem e das boas práticas, tivesse um final gratificante para todos os stakeholders. Aí, seria um case study completo.

Alda Telles
Consultora de Comunicação

Para outras perspectivas de análise, pode ler:

Ensitel e o pesadelo das redes sociais

Ensitel: A crise e a oportunidade

Quarta-feira, 29 Dezembro 2010 16:53


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