Este é o ponto de partida de um artigo de opinião em que a consultora Maria Eugénia Retorta desmonta as críticas ao atual sistema de medição de audiências, considerando que assentam em comparações abusivas e pecam por falta de correspondência substantiva na prática.
“No mundo, que já foi encantado um dia, das audiências de televisão, fazem parte da história dos profissionais vivências marcadas pelos sentimentos mais intensos e díspares: a preocupação, quando não são atingidos os índices esperados, a angústia, quando se é ultrapassado pela concorrência, a surpresa perante resultados com que não se contava, a insegurança, a incredulidade, o receio, e o contentamento também, quando foram superadas, para lá do razoável, as expetativas positivas.
E se essas vivências e esses sentimentos acompanham qualquer painel durante a sua existência ao serviço dos vários agentes em presença nos mercados – operadores de televisão, programadores, compradores de espaço, criadores de campanhas – elas e eles exacerbam-se, ganham novas dimensões, quando o painel sofre uma alteração.
Nomeadamente quando o seu “fornecedor”, ou as metodologias que o suportavam, mudam. Neste caso, e porque tais alterações e mudanças envolvem com frequência diferenças nos índices de audiência registados, podem aumentar os receios, surgir grandes surpresas e, pior do que tudo, despertar preconceitos.
Podem até, em situações mais extremas, fazer parar o sistema. É o caso, recente, da Suíça, curiosamente um país de tecnologias bem avançadas, mas onde desde o início do ano de 2013 o mercado vive sem audiências de televisão, porque, em última análise, não tem sido possível acreditar minimamente nos valores recolhidos. E não se conhece, para já, o fim à vista para o problema.
No caso das audiências em Portugal basta ler os comentários de vários analistas e as entrevistas dos diversos intervenientes no mercado para se perceber como também andam no ar dúvidas quanto à validade dos valores oficiais conhecidos.
Dúvidas que referenciam o painel utilizado e que hoje assentam cada vez mais na comparação feita, abusivamente, entre os seus valores e os obtidos através do painel da concorrência. E que não têm correspondência substantiva na prática.
Abusivamente porque se está a comparar dados obtidos junto de dois painéis – leia-se “amostras” – diferentes, sendo que o oficial já foi auditado e está a proceder aos ajustamentos recomendados, em função dos Censos de 2011.
E sem correspondência substantiva na prática, essencialmente porque:
› Nunca foram detetados novos dados de tal forma estranhos que levassem, como na Suíça, à anulação do painel. Nem se espera que tal venha a acontecer;
› A partir dos confrontos conhecidos entre resultados dos dois painéis verifica-se a existência de posições relativas semelhantes para os canais lideres, em geral e em dias de semana versus fins de semana;
› A quebra da RTP já se vinha perfilando no horizonte das audiências, tal como a retoma da SIC a partir da recuperação de telenovelas icónicas, entre elas, Gabriela;
› Os sucessos especiais de audiência – gala final de Secret Story, estreia de Destinos Cruzados, último episódio de Gabriela, importantes jogos de futebol – são registados pelos dois painéis.
Mas também são dúvidas que decorrem de fatores exteriores ao painel – decorrem das alterações sociais, profundas, ocorridas ao longo do ano de 2012 e cujos efeitos e níveis de influência não terão sido ainda totalmente assimilados/apreendidos pelo mercado.
Na verdade surpreendente seria se não houvesse mudanças nos dados que aí vêm e que já têm vindo a ser conhecidos.
Surpreendente seria que não houvesse um acréscimo no consumo médio horário diário de televisão – fenómeno registado em vários países pela Eurodata Tv Worldwide, ao longo do ano 2012 e em Portugal certamente incrementado pelo infeliz fenómeno do desemprego crescente, alargando forçadamente os tempos livres de cada um.
Surpreendente seria que os programas do cabo não registassem também um crescimento, cuja tendência se vinha desenhando há meses e que se justificará, em grande parte, pelo próprio aumento do parque dos aparelhos com subscrição.
Surpreendente seria por isso que, globalmente, a distância entre os índices de audiências dos canais líderes não se tivesse encurtado, porventura muito, acentuando-se a tendência de evolução vinda de 2012 e que é referida pela Initiative Media, na sua análise do mês de janeiro.
Surpreendente ainda seria que a SIC não se tivesse aproximado da TVI através das suas telenovelas – ou seja, combatendo no mesmo terreno da TVI – quando o próprio Luís Cunha Velho, na entrevista que dá na Noticias TV, admite que “temos de reinventar tudo” e fala dos remakes da Globo e de uma nova forma de produzir novelas, que ainda não será a da TVI.
Surpreendente seria ainda que não se mantivesse, embora ligeira, a tendência de quebra da RTP 1, que assumiu, corajosamente em muitos casos, diga-se, uma política de rutura com os programas que lançou, bem como os riscos de ter passado o seu programa Prós e Contras para domingo – ou de ter entrado numa concorrência ganhadora com um produto potencialmente perdedor: Feitos ao Bife, segundo alguns comentadores.
Artigo elaborado por Maria Eugénia Retorta.
A autora representou a ESOMAR em Portugal e foi consultora da AACS (Alta Autoridade para a Comunicação Social). Atualmente é consultora sénior em várias empresas do setor.
Fonte: Briefing