É conhecido como homem da rádio – onde começou aos 16 anos –, mas a vida profissional de João David Nunes desdobrou-se por outros meios. Na Briefing, terá sempre um lugar especial: foi um dos responsáveis pela nossa segunda vida e, no fundo, por estarmos a comemorar os 15 anos. Em entrevista, o nosso primeiro diretor-geral revela-se orgulhoso da herança que deixou e espera deixar uma marca de peso. “Continuo a fazer parte da equipa”, diz.
Briefing | Que momentos destaca do período em que foi diretor-geral da Briefing?
João David Nunes | Curiosamente, por causa desta nossa conversa, lembrei me que, em 2012, por ocasião do aniversário, fizemos um conjunto de entrevistas com pessoas que ainda hoje são marcantes na sociedade portuguesa e na atividade ligada ao Marketing e à Comunicação, como o Luís Paixão Martins, o Ricardo Costa, o Ricardo Monteiro, o Zé Miguel Júdice, o Miguel Osório, e o Zé Fragoso. É muito interessante podermos ler o que dizem nessa época e o que dizem hoje. Eu próprio escrevi um texto, fazendo 13 questões para o ano de 2013. Curiosamente, das 13, hoje, provavelmente tirava apenas umas quatro ou cinco questões. A esmagadora maioria ainda continua pertinente. Quer dizer, o mercado evoluiu, as coisas mudaram, mas no essencial, em muitas coisas, continua na mesma. É por isso que em Portugal dizemos “isto continua sempre tudo na mesma”. Às vezes é um bocado a mania de dizer mal de nós próprios, mas em muitos casos também há bastante razão nisso. E é bom que se faça esta reflexão.
O que gostaria que mudasse?
Sobretudo era muito importante que se desse valor aos meios e à capacidade que têm de fazer a ponte entre todos os intervenientes. Não é por acaso que a palavra é meio. Tudo mudou, mas o essencial não mudou. Continua a haver uma mensagem, um emissor e um recetor. A forma pode ser diferente, mas a essência é a mesma. E, na verdade, os meios deixaram que houvesse uma degradação muito grande do seu valor intrínseco e da capacidade de resposta às realidades do mercado. E hoje, como há 12 anos, eu já falava nisso: há, por exemplo, um excesso de publicidade nos meios que acaba por ser um elemento de degradação que contribui para as dificuldades que todos hoje sentimos que os meios de comunicação têm. E, nesse sentido, seria bom que todos pensassem que não é vender publicidade ao desbarato, não é criando, como eu também dizia na altura, um ruído imenso com a quantidade enorme de publicidade transmitida. Lembro me ainda dos tempos em que o valor era superior e o tempo ocupado era muito menor. Hoje, passou a ser o contrário. A publicidade tem um valor inferior, completamente degradado, e uma utilização que estraga a capacidade de comunicação efetiva dos meios. Também era bom que houvesse uma reflexão maior sobre a utilidade, por um lado, e a utilização dos meios, por outro. Parece me que hoje em dia há um seguidismo absoluto entre uns e outros. É transmitida a mesma coisa em todo o lado. E isto tanto vale para a música, como para o cinema, como para a televisão.
Entrou-se num esquema que me parece perigoso e preocupante. Era bom que se refletisse, que se deixasse de preocupar com as coisas ao segundo, mas que se pensasse a um ano. Muito provavelmente bastará pensar a um ano para que se possa chegar a melhores soluções. Espero que sim, porque a tecnologia não é um problema, é uma vantagem. Por exemplo, a inteligência artificial não é em si mesma um problema, depende da maneira como é utilizada. Claro que existem questões de direitos de autor, mas em si mesma não é um problema. É uma novidade que pode e deve ser absorvida pelos meios em seu benefício.
Falta diferenciação entre os meios?
Falta diferenciação e atrevo-me a arranjar alguns problemas com o que vou dizer a seguir: falta direção. É o tal seguidismo. Estão todos a fazer a mesma coisa, ao mesmo tempo. E como as fontes das notícias são as mesmas, e recebem muitas coisas completamente feitas, isso significa que ainda redunda num maior incómodo para quem vê.
Com o menor investimento publicitário, as redações também são cada vez mais pequenas…
É a chamada pescadinha de rabo na boca. Como há menos receitas – não há menos publicidade – não há capacidade para pagar às pessoas, daí tem-se menos pessoas e, sobretudo, menos qualificadas. Essa é que é a questão. O que faz a diferença é a qualidade.
Embora se diga que a geração atual é a mais qualificada de sempre.
Depende do que consideramos por qualificada. Se for ter o curso, é verdade. Se qualificada é saber efetivamente o que é preciso ser feito, e como, isso já não sei, porque não sei se houve essa preparação. E a preparação que era dada antigamente era no trabalho da redação e eram os chefes de redação que acompanhavam os estagiários. Hoje em dia, largam-se estagiários. Às vezes, acabo por ter vergonha por deixarem que aquelas pessoas fiquem sozinhas, largadas, ainda sem terem capacidade para isso. Precisam de trabalhar mais. Ninguém nasce ensinado. É preciso haver algum tempo. E as pessoas hoje em dia não usam o tempo da maneira que deveriam usar. Andam sempre a correr atrás nem sei bem de quê. Querem ir lá primeiro, mas o que deveriam era querer dar melhor.
Tratando-se a Briefing de uma revista de Marketing e de marcas, que marca é que o João David Nunes gostaria de deixar na Briefing?
A minha marca será sempre uma marca de peso (risos). Cento e tal quilos. O que posso dizer é que tentei acompanhar a criança bem no seu início e que ela ficasse com capacidade para andar. E depois confiei muito em quem ia educar e continuo a confiar.
Sofia Dutra