Quando foi a última vez que fizeram alguma coisa realmente importante com o vosso rabo?

A pergunta do título é retórica (claro) e foi retirada de um anúncio do canal público britânico Channel 4. Tudo acompanhado com imagens de traseiros que oscilam entre o calibre de um pêssego e a total ausência de forma. Objetivo: apelar ao confinamento na luta contra a Covid-19.

 

Humor em tempos de horror? Sorrisos em vez de suspiros? Sim, é possível. Todos os dias surgem mais casos hilariantes, com um efeito de contágio incrível. Mas não na comunicação das marcas. Aqui a tendência geral tem sido a mensagem em tom “institucional” (leia-se, sério).

Não quero retirar mérito à causa que muitas empresas abraçaram (sendo que os abraços seguem na próxima campanha, quando isto passar). As marcas são parte da comunidade e é justo o seu esforço por manter a empatia, contra o isolamento forçado.

A questão é que, falando de ideias, foi quase tudo parar ao mesmo sítio. Será que as normas de distanciamento (escritas e ilustradas em longos manuais de normas) não funcionam para as marcas, logo neste momento? Ao dizerem praticamente o mesmo e no mesmo registo sóbrio e solene, a sensação que fica é que, afinal, vivem todas na mesma casa, com aquela estante de livros lá atrás.

Por outro lado, o humor pode muito bem ser uma medida eficaz (não a única) para quebrar este confinamento criativo. Aqui peço ajuda a dois humoristas que, tal como muitos outros, têm dado a volta à situação – bem sei que não têm que seguir briefs de clientes, tal como os publicitários, mesmo assim, acho que podemos retirar daqui dois insights para a nossa área.

Para Ricardo Araújo Pereira, “as lágrimas, muitas vezes, são um alívio, tal como o riso. A seriedade, ao contrário, é tensão que se acumula”. Alívio. A verdade é que, ao fim de umas dezenas de conferências da DGS, depois de centenas de reportagens mostrando o heroísmo de milhares de profissionais, e a seguir a mais um fecho de telejornal a puxar ao sentimento, a corda dramática já está bem esticada. Anúncios num registo mono sisudo, num contexto que já de si é muito sério, só contribuem para acumular tensão. Uma marca que saiba, com pertinência, aliviar esta ansiedade vai, certamente, ganhar reconhecimento. O comic relief pode levar ao brand belief.

Já segundo Filipe Homem Fonseca, “é exatamente no meio de tanta notícia trágica que a gargalhada faz mais falta, como forma de resistência e afirmação de vida.”

Resistência. Tal como o humor, a criatividade é, por definição, uma forma de resistir. É imunidade, mais do que testada, contra o vírus da banalidade. E se tanto se usou a palavra guerra nestes dias, então porque não avançar com algumas manobras de diversão, para distrair e depois contra-atacar este inimigo?

Concluindo, agora que já estamos a pensar na comunicação das marcas pós-estado-de emergência, talvez seja altura de incluir o humor como uma forma criativa de nos aproximarmos dos consumidores. Aliviando a tensão e resistindo ao lugar comum. Sim, estaremos de máscara, mas não vamos esconder o sorriso.

 

João Navarro, copywriter NOSSA

briefing@briefing.pt

 

Terça-feira, 28 Abril 2020 08:19


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