Briefing | Qual a importância de haver um mestrado em Psicologia e Sustentabilidade Ambiental?
Augusta Gaspar | Este mestrado é uma missão, para mim, para todo o corpo docente e para os alunos, que entraram altamente motivados para contribuir para a mitigação da crise ambiental. Parece uma ideia muito ambiciosa, mas a verdade é que se chegámos à emergência climática com o contributo da atividade de mil milhões de pessoas, é também pessoa a pessoa, com o contributo de cada um, que vamos ter de a travar. Precisamos de pessoas com conhecimento e determinação. Como no fundo, inclusive os grandes movimentos sociais, partem da pessoa individual, da sua perceção dos problemas, da sua motivação para mudar de comportamento, da sua capacidade e meios ou oportunidades para mudar, a Psicologia é fundamental para ajudar a compreender e a mudar a perceção e a motivação do indivíduo, muitas vezes para o ajudar a encontrar os meios e para mobilizar do mesmo modo grupos. O nosso mote é mesmo que todas as pessoas têm um papel a desempenhar se queremos salvar o nosso planeta.
Os alunos que o frequentam são profissionais de diferentes áreas que estão a aprender conceitos da Psicologia que poderão ser aplicados em diversas áreas de atuação profissional no sentido de promover, a nível individual, comportamento pro-ambiental, e a nível societal, mudanças de práticas, em grupos, organizações e políticas. Os alunos têm também contacto com informação sobre situações específicas da crise ambiental, projetos e práticas, pois esse conhecimento científico interdisciplinar é fundamental.
Há realmente problemas ambientais relativamente aos quais os indivíduos têm poder para fazer alguma coisa com impacto significativo na sua pegada de gases com efeitos de estufa? Ou isto é sobretudo um problema de políticas?
Claro que sim – os problemas advêm de atividades e consumo humanos repetidos milhões de vezes. A natureza tem uma grande capacidade de recuperação, como aliás se viu nos níveis de gases com efeitos de estufa que desceram muito nos meses de confinamento da pandemia de Covid-19, em 2020 – e poderia dar-lhe uma lista interminável de coisas que todos podem fazer. Claro que muitos indivíduos a mudar de hábitos podem gerar movimentos sociais, e os movimentos sociais têm a capacidade de promover mudanças nas práticas institucionais e nas políticas públicas.
Pode dar alguns exemplos concretos?
Sim, aqui vão alguns: comprar produtos biológicos, produtos com certificação ambiental, evitar excesso de gadgets e equipamentos que implicam o aumento da exploração mineira de lítio, reutilizar e restaurar mobília e objetos, comprar menos roupa, com menos pigmentos e em fibras vegetais ou exclusivamente sintéticas (para assim poderem ser recicladas), adotar uma dieta vegetariana, dado que a produção animal intensiva é direta (pastos no lugar de zonas desflorestadas) e indiretamente (produção de soja e outros grãos para rações animais) um dos maiores contribuidores para os gases com efeito de estufa e destruição da biodiversidade, e estabelecimento de limites ao quanto se viaja de avião e de automóvel.
O destaque dado ao comportamento individual parece que colide com a ideia de que são as grandes ações políticas que vão fazer a diferença?
Não há colisão entre a frente individual e a frente política, há uma dinâmica interativa entre elas.
O que quero dizer com isto é que as ações das pessoas são muito mais rápidas do que as políticas. Por exemplo temos o Pacto Ecológico Europeu – uma série de medidas que preveem “zero emissões líquidas de gases com efeito de estufa até 2050”. Ora este é um horizonte a 25 anos, muito distante, com muitos eventos climáticos que podem precipitar a situação para um nível em 2050 que não podemos imaginar agora. Na verdade, muitas políticas já eram urgentes em 1992 quando o grande alerta da comunidade científica foi dado em ““World Scientists’ Warning to Humanity”, um documento aberto assinado por 1500 cientistas, incluindo muitos prémios Nobel, pedindo aos governos do mundo que atuassem para evitar a rotura dos ecossistemas terrestres e o risco de rotura na capacidade de sobrevivência da humanidade; e também era urgente, em 2006, quando Al Gore lançou para o público mais geral, o famoso documentário e livro “An Inconvenient Truth”, onde mostrava imagens impensáveis da redução das regiões polares e estatísticas do acréscimo de inundações e tempestades mortíferas. Contudo, são mesmo muitas as políticas recomendadas não implementadas. Um exemplo é o isolamento e eficiência energética das habitações -por exemplo em Portugal pelo menos 50% das casas em 2021 não tinham condições mínimas de eficiência térmica. Outro exemplo é a recomendação da redução do consumo de carne devido ao seu peso no efeito de estufa, pelas razões que já referi – mas se olharmos para os dados recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE), vemos que o consumo de carne em Portugal vem a crescer desde 2020 em vez de diminuir.
Ou seja, sem políticas firmes a curto prazo, nada muda, a não ser a situação do planeta, que está a precipitar-se muito depressa para um ponto irreversível e de consequências catastróficas.
Do lado dos indivíduos, reside muito poder, por causa do consumo, do desperdício e também das boas práticas: se multiplicarmos por um número cada vez maior de pessoas a adotar comportamentos pró-ambientais e se conseguirmos que a voracidade do consumo atual com todo o tipo de bens, se atenue em todas elas. Mas para isso se conseguir, as pessoas têm de sentir que fazem parte do problema e têm de estar motivadas para fazer parte da solução.
Do lado das políticas, a obrigatoriedade de certas práticas e a criação de infraestrutura adequada e logística é fundamental para mudar os hábitos da vasta maioria das pessoas e empresas, mas também é necessário criar nas pessoas a perceção da urgência e a congruência desse entendimento com a sua atuação. Por outro lado, percebemos que com a atual logística, que é muito insuficiente, cerca de um terço das pessoas está a reciclar; as pessoas precisam de mais infraestrutura e melhor logística, mas mesmo assim estas pessoas estão suficientemente motivadas para se esforçarem e despenderem algum tempo; falta motivar as restantes. As duas vertentes influenciam-se mutuamente.
É possível deixar uma mensagem de esperança aos jovens em Portugal relativamente ao futuro que os espera, dada a crise ambiental?
Sem dúvida, mas os jovens têm de agir e participar já. Menos de 20% dos estudantes universitários em Portugal está mobilizado para agir, porque acham que não adianta nada. Isso é um mito. Não adianta mesmo nada se todos pensarem assim.
Não fiquem à espera que os outros façam. Todo o conhecimento que vão adquirindo sobre comportamento e consumo sustentável partilhem-no, o mais possível nas vossas redes. E pratiquem. Cada pessoa faz muita diferença. Aguentem mais uns anos o vosso telemóvel. Evitem o turnover constante de equipamentos e roupas. Contenham o consumo de tudo o que não é indispensável. Pensem em atividades divertidas e carreiras que envolvam a restauração da natureza. Há muitas. Se vão fazer uma festa, um churrasco~, pensem no que é sustentável comer nessa festa – talvez a pizza vegetariana, a cerveja portuguesa, os pastéis de nata vegan e o café biológico acompanhem tão bem a vossa comemoração, como as alternativas em que nunca pensam. E sim, pressionar os decisores políticos para terem a coragem de legislar e de o fazer com prazos tangíveis dentro dos seus mandatos?
Simão Raposo