Foi em 2021 que encontraram a localização ideal para este projeto a dois. Recuemos, porém, alguns anos, indo até Coimbra, onde que se conheceram: André estudava Economia e Constance, nascida em França, mas com mãe portuguesa, estava na cidade para aprender português.
Cruzaram-se e rapidamente Constance deixou Paris pela cidade dos estudantes. Uma passagem breve, pois cedo desceram até Lisboa. A restauração acabou por ser o destino dessa viagem, que culminou, em 2017, no desejo de terem um espaço próprio. Os preços praticados na capital desencorajaram-nos e, num passeio por Setúbal, depararam-se com um sinal de “Vende-se” que lhes chamou a atenção. Um telefonema ao proprietário e uma visita foram quanto baste para fecharem negócio, não sem antes se aconselharem com o irmão de Constance, empresário da restauração em França. Estava dada luz verde para o Peixoco.
Com Constance na cozinha e André na gestão e na garrafeira, o restaurante vive em dois ambientes distintos: uma sala interior, de decoração despojada, mas acolhedora, para a qual se abre o balcão da cozinha; e uma esplanada ampla, luminosa, que pisca o olho ao rio.
A preocupação é servir qualidade. Não se tome o nome por redutor, porque o casal tem um conceito claro. Nas palavras de André, “tapas e petiscos do mar, com foco no produto português, mínimo de desperdício possível e respeito pelas espécies”. Reforça a mensagem, elencando quatro princípios de que não abdica: espécies não ameaçadas, desperdício tendencialmente zero, produtos locais e vinhos e bebidas de pequenos produtores.
Não está nestes princípios, mas poderia estar: o Peixoco propõe-se também trabalhar os vegetais de forma diferente. André diz mesmo que os acompanhamentos do peixe grelhado “não têm nada a ver” com o que se serve pela cidade, são “mais trabalhados, mais saborosos”.
Podemos comprová-lo, não a acompanhar peixe, mas como um prato em nome próprio: alface grelhada com ovas de truta e algas. Muito longe do habitual destino da alface…
Entremos, então, no que nos chegou à mesa: ostras do Sado, fresquíssimas, de um fornecedor local que “está a ganhar importância”; espadarte de Sesimbra fumado e curado, com blinis e créme fraiche com cebolinho. E croquetes de choco, com maionese e paprika fumada: uma palavra para estes croquetes, que cumprem um dos pressupostos do restaurante, pois são feitos com partes do cefalópode tradicionalmente menos usadas noutros pratos.
A sustentabilidade continua sob a forma de uma salsicha, que parece carne, mas não é: é feita com sobras de dourada e carapau, envoltas em especiarias; depois é ligeiramente fumada, a lembrar um enchido, embora sem tripa; e servida na companhia de puré de batata doce, plantas halófitas e manteiga noisette.
A tosta de carapau brilhou igualmente: os filetes são marinados em especiarias, sendo apresentados sobre uma cama de pesto de coentros e queijo de S. Jorge.
As gambas grelhadas com molho de manteiga foram outra boa surpresa, com a carne a soltar-se gulosamente da casca.
E o que dizer do arroz negro, com tinta de choco? No ponto, cremoso, saboroso. Ficou para o fim da refeição e obrigou a uma dose extra de apetite, mas valeu bem a pena.
Não provámos peixe grelhado ou choco frito. Para quê, se neste Peixoco há tanto mais por onde escolher e, sobretudo, diferente?