O desafio global da sustentabilidade está a impor uma mudança de paradigma: é urgente substituir os modelos económicos lineares, baseados em recursos fósseis, por modelos circulares e renováveis. A bioeconomia de base florestal faz parte da solução, e Portugal tem no eucalipto uma vantagem competitiva.
O Eucalyptus globulus é uma espécie naturalizada em Portugal há mais de 150 anos, com um desempenho excecional nas nossas condições de clima e solo, e elevada produtividade florestal. É graças a estas características que Portugal é hoje um dos dois únicos países da Europa (a par com Espanha) com condições para produzir esta matéria-prima com sucesso.
Com maior teor de celulose e hemiceluloses, e menor teor de Portugal pode liderar a transição para uma economia mais sustentável e o ponto de partida está na floresta. O Eucalyptus globulus, com alto valor técnico e ambiental, e com décadas de I&D pioneira no nosso País, está no centro de uma revolução industrial que substitui matérias fósseis por soluções renováveis. lenhina, o eucalipto globulus permite a utilização de menos cargas químicas no processo industrial e menos energia, bem como produzir a mesma quantidade de pasta com menos madeira, em comparação com outras espécies.
A composição desta madeira e a estrutura peculiar das fibras celulósicas dela obtidas permitem obter produtos com elevado valor acrescentado e desempenho técnico superior, e tem proporcionado o desenvolvimento de uma nova geração de bioprodutos com impacto direto na descarbonização da economia.
A liderança portuguesa nesta bioeconomia de base florestal assenta num património raro de conhecimento, investigação aplicada e inovação industrial que tem mais de um século. Desde os primeiros estudos técnico-científicos, na década de 1920, até à criação de centros de investigação ligados à indústria, nas décadas seguintes, o eucalipto tem sido objeto de trabalho sistemático por universidades, organismos públicos e empresas, tornando- -se numa das espécies mais estudadas em Portugal.
A consolidar esta trajetória está o RAIZ – Instituto de Investigação da Floresta e Papel, criado em 1996 pela The Navigator Company, em parceria com as universidades de Aveiro, Coimbra e Lisboa. Com quase 100 investigadores e um portefólio robusto de cerca de 50 patentes desenvolvidas nos últimos anos, o RAIZ é reconhecido como entidade do Sistema Científico e Tecnológico Nacional e como Centro de Tecnologia e Inovação, integrando a Rede Nacional de Centros Interface.
De fábrica a biorrefinaria
Com a sua atividade assente em plantações florestais certificadas, a indústria de pasta e papel é hoje um dos setores mais avançados em termos de sustentabilidade. Com processos eficientes, uso de recursos renováveis e uma forte cultura de circularidade, as suas fábricas estão a transformar-se em biorrefinarias.
O conceito é simples, mas poderoso: utilizar a madeira e a biomassa florestal, bem como os subprodutos industriais, para gerar não apenas fibras celulósicas e materiais papeleiros, mas também bioenergia, biocombustíveis e bioprodutos alternativos aos de origem petroquímica, tornando este setor um pilar da moderna bioeconomia circular de base florestal.
A The Navigator Company, uma das empresas do setor nacional da pasta e papel, tem apostado neste caminho de transformação, assente numa cultura de inovação que remonta à sua fundação, há mais de 70 anos. Na década de 50 do século passado, a empresa produzia, pela primeira vez no mundo, pasta de madeira de eucalipto, espécie Eucalyptus globulus, pelo processo kraft, bem como papéis de impressão e escrita com 100 % de fibra curta. Hoje, a madeira do género Eucalyptus, que inclui mais de 700 espécies distintas, é uma das matérias-primas mais relevantes da indústria de pasta e papel mundial, entre as quais se destaca, pela sua superior performance, o Eucalyptus globulus.
Mais recentemente, a empresa voltou a ser pioneira ao produzir papéis de embalagem integralmente a partir das fibras de Eucalyptus globulus – com vantagens ao nível das propriedades mecânicas, capacidade de reciclagem e compostagem.
No final do ano passado, a Navigator iniciou a produção de peças de celulose moldada, tornando-se a primeira empresa no mundo a produzir este tipo de embalagem numa unidade verticalmente integrada, utilizando fibra de eucalipto. Trata-se de artigos recicláveis e/ou compostáveis, que se destinam ao retalho alimentar, hotelaria, restauração e catering, numa resposta à necessidade de substituição das embalagens de plástico, de alumínio e de esferovite.
Bioprodutos inovadores
Os resultados do forte investimento em I&D “mostram que Portugal tem nas plantações florestais de Eucalyptus globulus uma enorme vantagem competitiva para o desempenho da bioeconomia”, refere o diretor do RAIZ, Carlos Pascoal Neto.
Os campos de aplicação destes novos biomateriais, que podem ser produzidos a partir de matéria-prima das florestas nacionais, são tão extensos quanto promissores, com aplicações em múltiplos setores, abrindo caminho a soluções mais sustentáveis e diversificadas.
É o caso dos biocompósitos termoplásticos, com aplicação nas indústrias automóvel, têxtil e de embalagens, como alternativa aos plásticos fósseis. Ou os substitutos de couro, desenvolvidos a partir de materiais celulósicos, que começam a marcar presença nos setores da moda e do calçado. A celulose micro e nanofibrilada, por seu lado, revela-se promissora em áreas tão distintas como os aditivos alimentares ou as embalagens. Por sua vez, compostos bioativos extraídos da folhagem e da casca apresentam elevado potencial para aplicações em cosmética, saúde e nutracêutica. A investigação tem ainda avançado na produção de prebióticos e bioquímicos com aplicação nas indústrias alimentar e farmacêutica, bem como na valorização de lenhina e polióis, para espumas, adesivos e materiais de construção.
Combustíveis do futuro
O contributo do eucalipto para a bioeconomia não se esgota nos materiais. Também no setor energético, esta matéria-prima está a criar novas soluções. Os biocombustíveis e combustíveis sintéticos derivados do eucalipto podem desempenhar um papel determinante na descarbonização de setores de difícil eletrificação, como a aviação e o transporte marítimo.
Hoje, já é possível produzir bioetanol a partir de sobrantes florestais, ou biometanol a partir dos subprodutos líquidos da produção de pasta. Paralelamente, o CO2 biogénico emitido nas unidades industriais pode ser usado na produção de combustíveis sintéticos (e-SAF, e-metanol), combinando-o com hidrogénio verde.
A União Europeia legislou que, a partir de 2041, apenas CO2 proveniente de fontes biogénicas ou capturado diretamente do ar poderá ser utilizado para este fim. Neste cenário, as biorrefinarias portuguesas do setor da pasta e papel posicionam-se como fornecedoras estratégicas de carbono verde – quer para consumo próprio, quer para venda no mercado europeu de créditos de carbono.
Agarrar a oportunidade
De acordo com a Comissão Europeia, a bioeconomia representava, já em 2017, 7 % do VAB nacional e empregava mais de 680 mil pessoas. As indústrias da fileira florestal representavam cerca de 24 % do volume de negócios deste setor em Portugal. O País tem, por isso, todas as condições para consolidar uma liderança europeia neste domínio.
Mas essa liderança exige estratégia, visão e ação. “A investigação é um processo contínuo. A inovação resultante desta atividade está em marcha. Agora é tempo de transformar este potencial em valor – é fundamental afirmar a floresta como setor estratégico, garantir matéria-prima nacional, continuar a aposta na investigação e na inovação, e investir na formação de recursos humanos qualificados”, defende Carlos Pascoal Neto. “A nova bioeconomia de base florestal, assente na indústria de pasta e papel, nasce na floresta de eucalipto, bem gerida, produtiva e resiliente. E Portugal tem o Eucalyptus globulus como espécie distintiva, face a outras matérias- -primas usadas neste setor, a nível mundial”, termina.