Portugal tem uma costa de 963 km banhada pelo Oceano Atlântico. Qual a importância de a conferência internacional se realizar num país como este, com uma relação estreita com o mar?
A saúde do nosso oceano enfrenta ameaças sem precedentes em resultado das atividades humanas, incluindo os efeitos das alterações climáticas, da poluição marinha e da pesca excessiva/sobrepesca. Isso afeta-nos coletivamente, pois todos dependemos do oceano para regular o clima, obter alimentos, bem como beneficiar de uma via de transporte para mercadorias e pessoas. No entanto, os impactos são especialmente sentidos pelos estados que se encontram mais dependentes do oceano e dos seus recursos.
Nesse sentido, a UNOC 2022 oferece uma oportunidade histórica para estados e demais atores internacionais de relevo se unirem, com vista a dar início a um novo capítulo da ação global para o oceano e impulsionar soluções inovadoras baseadas na ciência para gerir de forma sustentável os nossos oceanos, mares e recursos marinhos, em benefício das gerações presentes e futuras. É particularmente gratificante que a conferência se realize em Lisboa e que o governo de Portugal, enquanto um dos principais promotores de ação oceânica global e País com longa história e tradição marítima, assuma a presidência da mesma, juntamente com o governo do Quénia.
Qual é o seu papel enquanto conselheiro especial dos presidentes da UNOC?
Na qualidade de conselheiro especial dos presidentes da conferência em matéria de oceanos e questões jurídicas, presto-lhes aconselhamento sobre questões que incidem sobre vários temas relacionados com o oceano e, em particular, o direito do mar – em colaboração com os meus colegas da Divisão de Assuntos Oceânicos e Direito do Mar, parte do Departamento de Assuntos Jurídicos da ONU.
Existe um tratado internacional, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar [UNCLOS], que estabelece o quadro jurídico estruturante para todas as atividades no oceano e, enquanto tal, define as regras cuja implementação é essencial com vista a dirimir as ameaças à saúde, biodiversidade, economia e governação do oceano, que serão discutidas na conferência. Entre outras, estas incluem normas relativas à conservação e exploração dos recursos vivos, à proteção e preservação do meio marinho, e à realização de investigação científica marinha.
Portugal está a cumprir as metas e a progredir no que respeita à implementação do ODS 14?
Subordinado ao propósito de “conservar e utilizar de forma sustentável os oceanos, mares e recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável”, o ODS 14 integra dez metas que visam responder às ameaças que afetam os nossos oceanos, mares e recursos marinhos, bem como proteger os milhões de pessoas cujos meios de subsistência deles dependem.
Ao nível internacional, estão a ser feitos avanços importantes em relação à implementação das metas do ODS 14, mas esse avanço é desigual e muito mais necessita de ser feito. Por exemplo, nenhuma das metas que venceram em 2020 foi totalmente cumprida no plano global. Além disso, apesar da sua importância crítica para o bem-estar do planeta e da humanidade, o ODS 14 é – entre todos os ODS – aquele que até hoje recebeu o menor financiamento. No entanto, registaram-se conquistas significativas ao nível nacional e, no seu contributo de 2017 para a Revisão Nacional Voluntária dos progressos alcançados na implementação dos ODS, Portugal apresentou vários passos representativos que estava a dar para o ODS 14.
O que espera que saia da conferência para se iniciar um novo capítulo na ação para os oceanos?
Esta conferência proporcionará uma oportunidade extraordinária para que os líderes mundiais, incluindo estados, organizações internacionais, sociedade civil, setor empresarial, comunidade científica, tomem medidas urgentes e ambiciosas, de forma coordenada e integrada, de modo a impedir o declínio global da saúde dos oceanos e mares.
Estou confiante de que este será um momento transformador para o nosso oceano, no sentido em que a comunidade internacional como um todo será encorajada a apresentar soluções inovadoras baseadas na ciência que permitam responder aos problemas oceânicos – soluções essas que, através de parcerias abrangentes e multifacetadas, podem ganhar escala e atrair investimentos que ampliem a sua eficácia e aplicabilidade, gerando resultados tangíveis em múltiplas geografias e setores. Estou também confiante de que assistiremos a uma enorme vaga de ações concretas por parte de diferentes atores globais de relevo, incluindo sob a forma de compromissos voluntários que ajudem a responder a desafios concretos relacionados com o oceano ,em comunidades locais, regiões, países e no plano internacional. Ainda que esses desafios sejam significativos e, em muitos aspetos, assustadores, o potencial transformador das nossas sociedades é enorme, ao mesmo tempo que o potencial regenerador do oceano e da vida marinha é extraordinário. Tudo isso me dá a convicção de que, juntos, podemos agir de forma decisiva com vista a proteger este recurso precioso para o bem-estar do nosso planeta e de toda a humanidade.