Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda da ONU constituem um roteiro para um caminho de sustentabilidade até 2030. Que visão podemos ter para 2050, tendo presente a pandemia da Covid-19 e a guerra dramática iniciada com a invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2022? A primeira conclusão é que a civilização contemporânea global é muito vulnerável a choques inesperados devido à sua grande complexidade, mas é, simultaneamente, resiliente. Foi resiliente à pandemia porque a ciência, em tempo record, permitiu produzir um conjunto de vacinas de qualidade que protegeram centenas de milhões de pessoas.
Porém, temos um problema que se agrava: as desigualdades socioeconómicas, de vencimentos e de riqueza são crescentes à escala global no seio dos países e entre países. Em paridade de poder de compra, os 10% dos adultos mais ricos da população mundial têm um rendimento anual médio de 87.200 euros, o que, no conjunto, representa 52% do rendimento global, e os 50% dos adultos mais pobres têm um rendimento anual médio de 2.800 euros, ou seja, 8,5% do total (Chancel et al., 2022). Os 10% com maior riqueza possuem 76% da riqueza global, enquanto os 50% com menor riqueza apenas 2%. Os mais duramente afetados pela crise de saúde, social e económica gerada pela pandemia foram os países mais pobres e frágeis, e muitos deles ainda não recuperaram. A guerra na Ucrânia veio revelar que o mundo vive nos limites da oferta de recursos naturais essenciais e que uma perturbação significativa e súbita cria problemas graves à escala global. As sanções impostas à Rússia vieram aumentar o preço do petróleo e do gás natural e forçar os países ocidentais a procurar outras fontes fósseis relegando o problema das alterações climáticas para segundo plano. O Presidente dos EUA, Joe Biden, deu o seu mais forte apoio ao petróleo e ao gás natural em 31 de março de 2022, ao ordenar a libertação de um milhão de barris de petróleo por dia das reservas estratégicas dos EUA até um total de 180 milhões de barris e aumentando as exportações de gás natural proveniente do fracking – fraturamento hidráulico para a Europa.
Os impactos da guerra estão a propagar-se muito para além da energia. A Rússia e a Ucrânia produzem em conjunto quase um terço do trigo comercializado no mundo, com cerca de 26 países a dependerem fortemente destas exportações para a sua segurança alimentar. Os preços dos cereais e dos fertilizantes estão a subir, o que poderá conduzir o mundo à maior crise alimentar desde a Segunda Guerra Mundial, advertiu David Beasley, director do World Food Programme da ONU, em 30 de março.
Se não houver um maior empenhamento em atingir a sustentabilidade nas próximas décadas, chegaremos a 2050 numa situação em que a qualidade de vida, o bem-estar, a saúde e a prosperidade económica média global irão baixar, tal como já se verifica em algumas regiões do Médio Oriente, da África Subsaariana e da América Central. O aumento dos custos da energia, a escassez e a poluição da água, a sobre-exploração dos recursos naturais, a perda de biodiversidade, a insegurança alimentar e a pobreza conjugadas com os impactos adversos e crescentes das alterações climáticas irão provocar sublevações, migrações internas e externas, e conflitos intraestaduais e interestaduais. A tendência de decrescimento da qualidade de vida será, em geral, mais acentuada nos países fora da OCDE.
Desde o início do século XXI observa-se uma erosão da democracia ou uma autocratização dos regimes políticos à escala global. A percentagem da população humana que vive em regimes de democracia liberal ou eleitoral decresceu de 52,6% em 2000 para 29,3% em 2021 (V-dem, 2022). Estima-se que, atualmente, 70,7% da população mundial vive em diferentes formas de autocracia. Não é ainda possível identificar completamente as razões desta tendência, mas é possível que resultem das ansiedades sociais e económicas resultantes das desigualdades crescentes e das crises sociais, económicas, financeiras, raciais e migratórias próprias da insustentabilidade.