Produto do Ano: A inovação terá de ser “inclusiva, emocional e transparente”

A sustentabilidade já influencia quase metade dos consumidores portugueses. Esta é a principal conclusão do estudo realizado pela Produto do Ano Portugal, que revela ainda que a maioria das pessoas estão dispostas a pagar mais por produtos sustentáveis. Em entrevista à Briefing, o CEO, José Borralho, considera que o desafio para as marcas passa por conseguirem, com “veracidade em vez de estética”, que as pessoas saibam o que está a ser feito para promover a sustentabilidade.

“A inovação, nos próximos anos, terá de ser inclusiva, emocional e transparente”

2050.Briefing | O que motivou a realização deste estudo?

José Borralho | Numa empresa em que a inovação é o principal foco, acreditamos que essa mesma inovação não é só criar o novo, é, cada vez mais, escutar o agora com inteligência emocional e este estudo nasce precisamente dessa urgência: dar palco ao consumidor português e às suas verdadeiras preocupações num tempo em que o planeta, a economia e a consciência individual exigem novas respostas.

Vivemos num contexto onde inovação sem relevância é só ruído e em todas as áreas ela deve espelhar sustentabilidade nos seus diversos contextos: social, económico, ambiental… E por isso quisemos saber: o que move hoje o consumidor? Onde está a sua esperança, a sua frustração, a sua intenção real? O que ouvimos foi claro: quase metade dos portugueses já abandonou marcas por não serem sustentáveis. Este não é um tema do futuro. É o ponto de viragem do presente.

O consumidor português está verdadeiramente informado ou apenas sensibilizado para os temas ambientais?

O consumidor português está em transição, mais desperto do que nunca, mas ainda a tatear na névoa da comunicação das marcas. Está sensibilizado, sim. Mas a informação continua a chegar-lhe de forma frágil, confusa ou enviesada por estratégias de greenwashing. O estudo mostra-nos que há vontade de saber mais, mas também desconfiança crescente: 60 % reconhece o esforço das marcas, mas denuncia exageros. Ou seja, o consumidor quer compromisso, não cosmética. Quer verdade, não storytelling. vazio.

Quais são os principais obstáculos para os consumidores adotarem hábitos mais sustentáveis?

Creio que há três travões principais: o preço percecionado como barreira, só 17 % aceitaria um valor significativamente superior; a complexidade de escolha; e a desconfiança na comunicação. Vivemos uma época de muito ruído e muitos estímulos e se as marcas não se focam, não são objetivas e sobretudo não se posicionam como parte da decisão do consumidor, será muito complicado inverter essa dinâmica.

Como pode uma marca comunicar sustentabilidade de forma eficaz e transparente, evitando o greenwashing?

Na minha opinião há atitudes fundamentais: veracidade em vez de estética que deve levar as marcas a mostrar os processos, os números, os avanços e os limites claro. Depois, é preciso coerência entre o que se diz e o que se faz. A comunicação deve ser o espelho da ação. Tom humano. Falar de sustentabilidade como se fala com um amigo preocupado: com empatia, com verdade, com vocabulário real. Os consumidores que já evoluíram sabem distinguir o que é real do que é retórico. E exigem cada vez mais provas em vez de promessas.

A responsabilidade social e ética empresarial ainda é pouco destacada. Porquê?

A ética é, ainda, o parente pobre da sustentabilidade comunicada. É invisível, intangível e raramente é contada de forma emocional. Mas este dado revela, mais do que desinteresse, revela um défice de comunicação clara sobre impacto social. A ética tem de deixar de ser um rodapé e passar a ser parte do título principal da narrativa de marca. Num mundo cada vez mais desigual e polarizado, a ética será um novo selo de confiança emocional.

O que ainda falta fazer – por parte das empresas, do governo e dos cidadãos – para que a sustentabilidade se torne padrão de consumo?

Às empresas, creio que falta coragem estratégica. Não basta lançar um produto “verde” por ano. É preciso pensar a cadeia de valor inteira de forma regenerativa. A APPM (Associação Portuguesa dos Profissionais de Marketing) apresentou um estudo europeu da sua congénere internacional, em janeiro 2024, que destacava um paradoxo significativo: embora as empresas reconheçam a importância das práticas ESG (Ambientais, Sociais e de Governança), muitos acionistas ainda demonstram resistência em sacrificar lucros imediatos em prol de investimentos sustentáveis. Esse cenário sugere a necessidade de uma mudança cultural e estratégica nas empresas, onde os benefícios de longo prazo das práticas sustentáveis sejam mais valorizados e integrados nas decisões de investimento.

Ao governo, falta eficácia e educação de base. Aos cidadãos, falta consistência. Não se muda o mundo ao domingo se se ignora o impacto de cada escolha de segunda a sábado. E falta, sobretudo, diálogo entre estas três esferas. Só juntos, consumidores, empresas e Estado, poderemos criar um ecossistema onde o consumo sustentável seja o novo conforto.

Como imagina o comportamento do consumidor português em relação à sustentabilidade nos próximos anos?

Acho que com a evolução de catástrofes naturais, teremos cada vez mais uma segmentação emocional mais nítida entre os que vão exigir transformação real às marcas, os que vão procurar conforto a baixo custo e uma crescente classe média emocional que quer fazer melhor, mas precisa de ser guiada.

Teremos consumidores ativistas silenciosos, que lideram com o exemplo, consumidores cínicos empáticos, que exigem provas antes de mudar e consumidores emocionalmente racionais, que aceitam pagar mais, desde que haja valor real e identificação com a marca. A inovação, nos próximos anos, terá de ser inclusiva, emocional e transparente, porque o novo luxo será poder confiar. E o novo poder será escolher com propósito.

Simão Raposo

Quarta-feira, 11 Junho 2025 11:34


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