Parece simples e fácil falar sobre pessoas, mas, à luz da sustentabilidade, o tema ganha complexidade. Somos muitos, mais do que nunca antes, e os cientistas consideram que a enorme pressão que exercemos sobre o planeta está a forçar a Terra a entrar numa nova era geológica: o Antropoceno ou a era dos seres humanos. O tempo em que os únicos responsáveis pelo futuro do planeta, e, em última instância, pela nossa sobrevivência, somos nós próprios.
Assinalável. Depois de milhões de anos a aprender a sobreviver e a adaptarmo-nos ao meio ambiente, aprendemos a defendermo-nos e a domá-lo. Agora, o rumo do planeta está nas nossas mãos. A grande questão que se coloca é se nós, os seres humanos, seremos capazes de o dirigir de forma a garantir o nosso futuro comum.
Os alertas para uma situação crítica de desequilíbrio têm vindo a ser dados pela comunidade científica e estruturas governativas a nível mundial, colocando-nos perante desafios sem precedentes. Para dar resposta a esta situação, em 2015, a ONU estabeleceu a Agenda 2030, apelando a governos, empresas e cidadãos a comprometerem-se com 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que podemos agrupar em cinco pilares: Pessoas, Prosperidade, Planeta, Paz e Parcerias. Uma evolução face ao tradicional triple bottom line inerente ao conceito de sustentabilidade: People, Planet, Profit. Ninguém fica para trás.
Mas, afinal, de que falamos quando falamos de Pessoas?
Um olhar mais atento à Agenda 2030 das Nações Unidas – nunca é demais revê-la – ajuda-nos a compreender o Pilar Social da sustentabilidade. No topo dos 17 ODS, encontra-se a dimensão das Pessoas: Erradicar a Pobreza (ODS1), Erradicar a Fome (ODS2), Saúde de Qualidade (ODS3), Educação de Qualidade (ODS4) e Igualdade de Género (ODS5).
Alcançar o desenvolvimento sustentável passa, portanto, por resolver os desequilíbrios sociais. O ponto de situação feito pela ONU em 2021 e 2022 no seu “The Sustainable Development Goals Report” revela que alguns dos progressos alcançados até aqui no que às matérias sociais diz respeito sofreram nos últimos anos recuos significativos devido à pandemia de Covid-19.
Assistimos ao primeiro crescimento da pobreza extrema em vinte anos. Entre 119 a 124 milhões de pessoas foram empurradas novamente para a pobreza extrema. Em todo o mundo, os governos implementaram 1600 medidas de proteção social de curto prazo como resposta à Covid-19, mas quatro mil milhões de pessoas ainda não são abrangidas por qualquer tipo de proteção social. Uma em cada dez pessoas passa fome no mundo. Noventa por cento dos países reportaram uma ou mais disrupções em serviços de saúde essenciais. A pandemia acabou com 20 anos de ganhos de educação. Estima-se que 147 milhões de crianças perderam mais de metade da sua instrução presencial nos últimos dois anos, afetando significativamente a sua aprendizagem e bem-estar. Dez milhões de crianças estão em risco de”casamento infantil” na próxima década.
No paradigma da sustentabilidade, desequilíbrios sociais e ambientais andam de mãos dadas e influenciam-se mutuamente. As questões ambientais só serão resolvidas a par das questões sociais. Novamente a pergunta: seremos capazes de as resolver?
Nós, as Pessoas, que estamos ao leme do planeta, temos o poder da mudança nas nossas mãos.
A força das empresas: os impactos sociais na cadeia de valor
As empresas fazem parte deste “nós” coletivo, as Pessoas, com poder para levar o ecossistema planetário a bom porto. O artigo 67 da Agenda 2030 revela a importância da sua participação. Enquanto agentes de relevo na sociedade, criadores de emprego e motores de crescimento económico, são “parceiros vitais para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, nas palavras de Ban Ki-moon, ex-secretário-geral das Nações Unidas.
Assistimos, por isso, a um número crescente de empresas que, proactivamente, participam neste processo de desenvolvimento sustentável – e as que ainda o não fazem ver-se-ão obrigadas a fazê-lo por imperativos legislativos – avaliando os seus impactos, ambientais e sociais, definindo estratégias de sustentabilidade e comunicando os resultados destas com transparência, a todas as partes interessadas do seu negócio.
Assim, do ponto de vista dos impactos sociais, quem são as Pessoas a que as empresas devem prestar atenção nas suas estratégias de sustentabilidade?
Colaboradores e consumidores serão, sem dúvida, dos grupos mais relevantes, dadas as responsabilidades legais, financeiras e operacionais que a empresa tem para com eles. Mas, e porque a avaliação de impacto deve ser feita ao longo de toda a cadeia de valor, há mais.
Fornecedores, parceiros, entidades governamentais, comunidades impactadas pelas suas atividades, academias, investigadores, media e qualquer outra pessoa que influencie ou seja influenciada pelas operações, desde a extração das matérias-primas até à execução dos seus produtos. No fundo, todo o ecossistema de Pessoas do qual a empresa depende para sobreviver.
Significa isto que, por exemplo, a preocupação em assegurar saúde e bem-estar, condições dignas de trabalho, remuneração adequada, promoção da diversidade, entre outros aspetos fundamentais, vai para além dos colaboradores.
A empresa pode até ter boas práticas para com os seus colaboradores diretos. Mas, se o mesmo não se reflete ao longo de toda a sua cadeia de valor, prejudicando pessoas ou comunidades, mesmo que do outro lado do mundo, os seus impactos já estão a ser negativos. O mesmo se, para compensar as suas emissões de carbono, ao plantar uma enorme quantidade de árvores, desaloja as comunidades que ali viviam, remetendo-as a mais pobreza.
Imaginemos agora o efeito multiplicador positivo que a adoção de comportamentos contrários pode ter. Empresas que trabalham lado a lado com os seus fornecedores, percebendo as suas necessidades e apoiando-os para se tornarem mais justos e inclusivos, fornecendo-lhes a formação e o conhecimento de que precisam para corresponderem aos critérios de qualidade que pretendem para os seus produtos. Beneficiam os colaboradores, as suas famílias e toda a comunidade. Criam-se mais empregos e empregos de qualidade. As taxas de pobreza diminuem. Inicia-se uma cadeia de valor positiva.
Ganha a empresa. Ganham todos os que com ela se relacionam. Ganham os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
We The People
Em democracia, o povo é soberano, os governos são das Pessoas. Embora nem sempre o povo reconheça o seu poder, o que limita uma participação cívica ativa e esclarecida. Como resultado, tem-se vindo a verificar, um pouco por todo o mundo, menos cidadãos com interesse pela política.
A necessidade de contar esta situação levou o ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama e a ex-primeira-dama Michelle Obama a lançarem a série “We The People”, distribuída pela Netflix. Em dez episódios, curtos, é possível perceber como o governo trabalha, como nos podemos envolver enquanto cidadãos e ajudar a moldar decisões que podem ter impacto nas nossas vidas – das alterações climáticas, à pobreza, aos sem abrigo.
Para passar a mensagem, em We The People, recorre-se ao melhor do storytelling e da música, com a participação de músicos e compositores, como Janelle Monáe e H.E.R, entre outros, ou à poesia de Amanda Gorman, conjugado com a linguagem visual da boa animação. Ingredientes chave numa estratégia de comunicação para prender a atenção das camadas mais jovens, inpiradas pela música, pelo poder da imagem e pelos seus ídolos artísticos.
De resto, Barack e Michelle Obama já perceberam há muito o poder da comunicação e das ferramentas ao seu dispor, durante a sua vida enquanto governantes e após a Casa Branca, com a criação da Higher Ground Productions.
We The People… Nós, as Pessoas, que em todo o mundo temos a capacidade de moldar o amanhã. O cumprimento dos ODS está também nas nossas mãos.