2050.Briefing | Qual é a relevância do Pacto Climático Europeu, de que é embaixador?
Francisco Costa | O Pacto Climático Europeu, na minha opinião, é uma iniciativa basilar, não só na definição das políticas com implicação direta no combate às alterações climáticas, mas também na sua aplicação junto da sociedade. O que isto pode significar, do ponto de vista prático, é o seguinte: através da figura dos embaixadores, os decisores políticos podem, por um lado, conhecer melhor a realidade da sociedade e, por outro, construir políticas mais eficazes e condizentes com as realidades locais. A experiência é significativa a esse nível, quando falamos das assimetrias no espaço europeu. Há que conhecê-las primeiro, para só depois atuar. O Pacto pode ser esse fio condutor, na definição estratégica de combate às alterações climáticas. Mas, para isso, os decisores políticos, principalmente ao nível europeu, devem querer e promover esta iniciativa.
Quais são as metas que considera mais desafiantes, em particular para Portugal?
O desafio maior reside na luta contra o tempo, isto é, as décadas em que se descartou completamente a problemática do clima, o que levou a um despertar tardio. Por outro lado, as assimetrias que existem dentro do espaço europeu. A título de exemplo, o objetivo de descarbonização até 2030 é uma realidade tangível em países como a Dinamarca, mas que não tem a mesma similitude em Portugal.
A questão da pandemia e da guerra na Ucrânia veio alterar algumas prioridades, desde logo de ordem financeira e energéticas, o que obriga os diferentes governos a responder às necessidades mais agudas. Perante isto, até mesmo a energia nuclear já é considerada verde.
No caso de Portugal, existem vários desafios. Se, do ponto de vista energético, devemos reconhecer que a aposta no eólico foi importante, no que diz respeito à descarbonização, ainda temos um longo caminho pela frente. E esse percurso, para a nossa tristeza coletiva, ainda vai demorar algum tempo, pois depende de recursos financeiros. Algo que só os fundos europeus podem resolver.
Como lhe aconteceu ser embaixador desta iniciativa?
A decisão de ser embaixador para o Pacto Climático Europeu surge pelo facto de ser presidente de uma associação sem fins lucrativos para a sustentabilidade, a Sustainary Sul da Europa e África. Neste papel, com vários projetos, tanto em Portugal como em África, considerei ser relevante partilhar a minha experiência junto do programa, mas também trazer o Pacto para os nossos projetos. Um conhecimento baseado na evidência, tanto científica como factual, que permite uma melhor partilha de boas práticas, mas também uma melhor descrição do terreno.
Qual a sua missão, globalmente falando?
A minha missão, a nossa missão, é conseguir partilhar, junto das pessoas, as melhores e mais sustentáveis soluções, independentemente do seu tamanho, localização, educação ou rendimento. A forma como desenvolvemos e divulgamos os projetos caracteriza-se por um alinhamento em torno de uma visão partilhada, pela renovação de conhecimento pela via da inovação e do pensamento criativo. Um saber através da experiência, com especial preponderância na capacitação de quem aprende, para depois gerir e partilhar.
E, de um ponto e vista mais específico, quais são os seus compromissos?
Neste momento, estamos a trabalhar duas realidades distintas, mas que se complementam, no âmbito da sustentabilidade da água, resíduos orgânicos e energia verde, com implicação na agricultura sustentável. Em Portugal, junto da Escola Profissional Agrícola de Mirandela, estamos apostados na capacitação e desenvolvimento de soluções inovadoras, tanto com alunos nacionais como dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). Em São Tomé e Príncipe, para além da capacitação, estamos apostados no laboratório de inovação social, com projetos já apoiados, bem como nos programas de apoio ao desenvolvimento de negócio.
Como se propõe inspirar para a mudança?
A mudança só acontece quando as pessoas se sentem envolvidas e motivadas para tal. Podemos ter uma base de experiência, ser um exemplo para a sociedade, mas tal é extremamente fugaz. Hoje recordam, amanhã não. Como alteramos esse paradigma? Através desse envolvimento. A nossa experiência junto das comunidades educativas, no âmbito do Pacto Climático Europeu, tem demonstrado um nível motivacional muito interessante. Principalmente, quando estamos a descrever grupos de alunos, tanto de territórios de baixa densidade, isto é, fora dos grandes centros urbanos, como dos PALOP. A mudança deve ser construída através da educação e da capacitação, com foco na sua aplicação prática e no envolvimento de todos.
A transição digital e verde está na agenda da União Europeia. Olhando para Portugal e para o tecido empresarial, qual a sua perceção, o seu diagnóstico?
A realidade é que algum caminho já foi feito, com exemplos claros de sustentabilidade e preocupação com a digitalização. No entanto, a grande maioria desses exemplos reside em grandes empresas, o que não representa o tecido empresarial em Portugal. Tal cenário devia ser motivo de preocupação por parte do poder político, no sentido de criar ferramentas de mudança para as pequenas e médias empresas (PME), essas sim, a grande maioria. No entanto, voltamos a colidir com a parte financeira, anteriormente anunciada. É muito complexo, para as PME, que gerem financeiramente o dia a dia através das diferentes obrigações, ter cabimento financeiro para algo mais. Urge repensar as ferramentas financeiras e/ou benefícios fiscais para este âmbito empresarial, na sua transição digital e sustentável.
A sua “ferramenta” para promover essa transição são os eventos. Que eventos e qual o poder que lhes identifica como motores da mudança?
Os eventos são importantes como ferramenta de partilha. Mas não podem estar reféns da figura do orador, mas sim do envolvimento de todos. Como já foi referido antes, este é critico para o resultado final. O grande motor da mudança é, sempre será, um caminho em que o trabalho individual vai permitir o resultado coletivo. É este trabalho individual, de cada embaixador do Pacto Climático Europeu, por exemplo, que vai contribuir para a construção de um futuro mais sustentável, em todos os pontos da Europa, mesmo os mais remotos.
Da neurocomputação à sustentabilidade: como se faz a ponte?
As respostas anteriores já têm muito de linguagem computacional. Quando falamos de redes, informação partilhada, trabalho individual para um resultado coletivo, já estamos a descrever, pelo menos em parte, aquilo que na realidade podemos encontrar na neurocomputação. O grande paradigma, pelo menos para quem estuda esta área, é conseguir aplicar a capacidade organizativa neuronal a outras áreas do conhecimento. Neste caso específico, estamos a falar da sustentabilidade, que necessita do trabalho de diferentes níveis funcionais, através de uma relação coordenada, para atingir os seus objetivos. Um exemplo claro de um conhecimento que não está encerrado na sua área, mas que pode ser aplicado a outras.