Não é fácil saber se Vladimir Putin iniciaria a guerra na Ucrânia, pelo menos com a escala conhecida, se previsse a forma unida e resoluta como o Ocidente veio a reagir, seja na frente das sanções seja na do fornecimento de armas e apoio logístico aos ucranianos, seja ainda na determinação em libertar-se da sua dependência do petróleo, gás e carvão russos.
Sem prejuízo do impulso decisivo que a guerra deu para se acabar com aquela dependência, a verdade é que esse caminho já foi sendo de alguma forma trilhado pelo Ocidente durante as duas décadas da liderança de Putin. Quer, em geral, pelo processo de transição para as fontes renováveis quer, em particular, pela transformação dos Estados Unidos numa nação energeticamente independente – e no maior exportador de LNG –, à conta do gás de xisto.
Putin sabe bem que aquilo que ameaça o seu regime não é a expansão da NATO, como muitos comentadores querem fazer crer; o que o ameaça verdadeiramente é a autonomia do Ocidente quanto às fontes de energia – e a consequente inutilidade, a prazo, dos recursos naturais da Rússia.
Foi também isso que determinou a guerra: Putin quis avisar o mundo de que até se poderá libertar da chantagem energética do Kremlin, mas que, nesse admirável mundo novo das energias limpas, não se libertará da sua outra arma – a chantagem nuclear.
De qualquer modo, o caminho do Ocidente não pode ser outro. Até por uma questão de sobrevivência climática, que é anterior e está para lá da guerra na Ucrânia. Mas este caminho não está livre de dilemas, nem sequer de dilemas imediatos.
Por um lado, a guerra provocou um aumento significativo dos preços das fontes de energia e é compreensível que os governos sintam a necessidade de dar uma resposta direta, rápida e eficaz ao impacto que isso tem no modo de vida das pessoas. Se a determinação das democracias no apoio à Ucrânia resultou em muito da pressão indignada das suas opiniões públicas, é urgente assegurar que esse apoio não é desbaratado, nem pelos efeitos da guerra em si mesma, nem pelos das sanções impostas a Moscovo.
Por outro lado, qualquer solução que facilite o consumo de energia de origem fóssil constitui um contributo para que o regime político e o complexo militar da Rússia continuem a ser financiados pelo nosso lado. Daí que, em princípio, soluções de apoio monetário direto aos rendimentos das pessoas, em especial aos mais desprotegidos, sejam melhores do que intervenções nos mecanismos de formação dos preços.
É claro que há aqui um equilíbrio muito difícil de conseguir. Mas se o petróleo, o gás e o carvão são as armas da ditadura imperialista russa, temos, o mais rapidamente possível, de lhes dizer adeus.