“Arquitetura pode ser ferramenta para o compromisso com a economia circular”

A arquitetura tem um papel determinante na abordagem aos desafios climáticos, aos recursos do planeta e às desigualdades socioeconómicas. A convicção é dos curadores da Trienal de Arquitectura de Lisboa 2022, que acontece até 5 de dezembro. Em conversa com o 2050.Briefing, Diogo Burnay e Cristina Veríssimo refletem sobre o papel desta disciplina na construção de uma sociedade mais sustentável.

2050.Briefing | A 6.ª edição da Trienal de Arquitectura de Lisboa subordina-se ao tema “Terra”. Com que objetivos?

Diogo Burnay e Cristina Veríssimo | A 6.ª edição da Trienal de Lisboa vem salientar que todos vivemos num só planeta: a Terra. Esta Trienal pretende ser uma plataforma para múltiplas e diversas vozes em todo o mundo, para reunir visões complementares sobre o papel da arquitetura e a sua potencial contribuição para um modo de vida mais sustentável.

O programa desta Trienal, intitulado Terra, visa partilhar várias metodologias e práticas enquadradas em diferentes contextos e escalas, que dão uma resposta mais eficiente aos desafios atuais e futuros do nosso planeta. Terra é também um apelo à ação.

Esta Trienal evoca também a necessidade de uma evolução do atual modelo de um sistema de uma economia linear e mais fragmentada, caracterizado pelo uso excessivo de recursos, para um sistema de uma economia circular e holística, motivada por um maior e mais profundo equilíbrio entre comunidades, recursos e processos.

Nas exposições centrais apresenta diferentes casos e exemplos realizados pelo mundo fora que inspiram essa mudança dando respostas a vários tipos de fragilidades, seja à escala do território, da cidade/comunidade ou à escala do edifício e dos materiais que o constituem.

Como pode a arquitetura contribuir para a sustentabilidade da vida nas cidades?

A arquitetura tem um papel determinante através da sua prática e investigação, no modo como pode abordar temas como os desafios climáticos, os recursos do planeta e as desigualdades socioeconómicas. Compreender essas situações complexas requer essa evolução de paradigma de um modelo de crescimento linear (“cidades como máquinas”) para um modelo evolutivo circular (“cidades como organismos”). A arquitetura pode ter um papel central e fundamental nessa mudança de paradigma e servir como uma ferramenta eficiente para esse compromisso com uma economia circular em todo o planeta em sua incrível diversidade.

Existem projetos regenerativos de pequena e média escala que são construídos em continuidade com tecidos urbanos existentes. Isso pode permitir uma renovação gradual mais efetiva do tecido urbano, muitas vezes feita por processos participativos complexos e delicados com um envolvimento mais afetivo por parte das comunidades.

A partir de um olhar global, isto é, nos dois hemisférios do globo, as várias exposições da Terra abordam, de formas muito diversas, alguns exemplos de processos, projetos e obras de várias escalas que promovem a regeneração da cidade.

O modelo de cidade atual em Portugal é sustentável?

As cidades em Portugal têm uma génese morfológica e vivencial que ao longo dos tempos cruzou culturas diversas, com uma atenção muito particular às condições físicas e climáticas do território onde estão localizadas. A expansão pós-industrial de muitas destas cidades dispersou e fragmentou sócio e economicamente muitos destes tecidos urbanos.

Através de uma ação regenerativa e seletiva das áreas das cidades que precisam de atenção arquitetónica, é possível em muitas delas melhorar as suas condições urbanas e vivenciais.

É urgente agir para que sejam criadas novas formas de organização urbana?

Sim. Novas formas de mobilidade, de acesso a serviços e recursos irão certamente contribuir para uma cidade mais igualitária, mais democrática, menos gentrificada e sobretudo mais equilibrada social e economicamente.

Que consequências tiveram dois anos de pandemia na sustentabilidade das cidades?

Os anos de pandemia contribuíram sobretudo para uma consciencialização de uma maior humanidade, compreensão para com diferentes modos de viver e conviver, com novas formas de estarmos interligados. Muitas cidades por exemplo voltaram a ver o céu azul e viram alguns animais a voltarem aos meios urbanos.

O futuro pode aprender com estratégias mais ecológicas de intervenção no tecido urbano, no qual o contacto social é também estruturante para o bem-estar das populações, daí a atenção que deve ser dada à qualidade dos espaços públicos urbanos.

Foto ©Eliza Borkowska

Segunda-feira, 03 Outubro 2022 12:57


PUB