2050.Briefing | De que modo quer o Future.Works Lisbon 22 contribuir para a reflexão sobre o futuro do trabalho?
Paulo Dias | O Future.Works Lisbon 22 é um evento internacional que procura desafiar e desenhar o futuro do trabalho, reunindo pessoas de diferentes áreas que têm protagonizado esta transformação em Portugal e no mundo – especialistas e académicos, talento ligado à tecnologia, gestores de topo, gestores de talento, recrutadores, estudantes e representantes do governo local e regional e trabalhadores que querem entender e discutir as profundas mudanças em curso.
Além de cerca de 100 sessões de partilha, reflexão e formação que acontecerão em três palcos distintos (sobre o Futuro, sobre o Talento e sobre a Tecnologia), o Future.Works Lisbon 22 terá também uma zona com partilha de mais de 250 oportunidades de trabalho ligado às tecnologias, uma zona de empresas de formação e requalificação de competências da área tecnológica, assim como uma zona de parceiros e intervenientes na transformação do trabalho.
Que impacto tiveram dois anos de pandemia no mundo do trabalho?
A pandemia provocou uma tremenda aceleração do processo de mudança e obrigou as empresas a adotarem soluções de trabalho remoto, em vários momentos quase a 100%. Essa aceleração, feita de forma abrupta e sem respeitar as condições particulares de cada um, no meio de fortíssimos fatores de pressão agravados pelo medo e incerteza trazida pelo COVID-19, abriu, no entanto, portas para múltiplos desenhos organizacionais possíveis. Por isso, hoje, vemos uma proliferação de empresas que adotam, em simultâneo, diferentes soluções em função das características dos seus colaboradores, das funções das suas equipas e das necessidades dos seus clientes. Temos assim várias empresas onde na mesma equipa temos colaboradores a trabalhar em modo totalmente remoto, colaboradores que trabalham de forma híbrida (remoto e presencial) e colaboradores que preferem trabalhar totalmente de forma presencial. Ou seja, já aconteceu uma revolução. Esta transformação impacta e levanta muitas questões a diferentes áreas da empresa – legalmente, como faço conviver estes diferentes regimes? Qual a política remuneratória que devo praticar? Como é liderar uma equipa com estas características? Qual o impacto deste formato na cultura organizacional?
Quais os maiores desafios que identifica na adaptação das empresas e das pessoas a um novo paradigma?
No lado das empresas, vejo por um lado um desafio humano por parte das lideranças em conseguir garantir, ao mesmo tempo, flexibilidade nos modelos de trabalho entre o remoto e o híbrido, e manter a identidade e coesão organizacional, o sentido de propósito e missão. Existe ainda neste campo uma dificuldade em manter crenças e pré-conceitos apartados desta discussão. Um nativo digital tende a assumir um conjunto de pressupostos diferentes de um gestor da geração X que tem mais relutância em ver uma organização a operar em modo completamente remoto.
Por outro lado, existe um desafio estrutural ligado às tecnologias que podem ajudar a integrar os diferentes modelos de trabalho, e inclusive sobre o redesenho do local de “trabalho” que passa a ser um local onde também se pode trabalhar.
No lado das pessoas, penso que ainda não existe uma consciência alargada de que hoje, o local de trabalho pode ser qualquer local, na mesma cidade ou noutra, no mesmo país ou noutro. Quando esta consciência se alargar vamos ter alterações grandes e maiores desafios de natureza legal e fiscal que colocarão à tona as incongruências entre os estados nestas matérias.
Outra dimensão importante para as pessoas é a do impacto da tecnologia. Funções com natureza repetitiva estão a ser progressivamente eliminadas e substituídas por rotinas de processamento recorrendo a tecnologias de reconhecimento de voz, palavras e imagens. Isto quer dizer que a literacia digital é cada vez mais fundamental e que o desenvolvimento de competências técnicas nessa área é uma oportunidade crescente.
Qual é o novo perfil de trabalhador e como estão as empresas nacionais a adaptar-se?
O novo perfil nasce da descoberta por parte de muitos trabalhadores que através do modelo de trabalho híbrido ou remoto conseguem um melhor equilíbrio entre a vida profissional e profissional, mais tempo para atividade física a no limite até um maior compromisso com a organização.
No relatório anual do Work Trend Index 2022 da Microsoft (Worklab), registam-se 38% das organizações a adotarem um modelo de trabalho híbrido, mas, se considerarmos a área tecnológica no Estudo da Landing.Jobs Global Tech Trends 2022, cerca de 90% dos inquiridos trabalha em modo híbrido ou remoto (aproximadamente metade em cada). A principal razão que é apontada por esta preferência prende-se com equilíbrio entre vida profissional e pessoal.
Em Portugal é interessante verificar que, segundo o INE, no segundo trimestre do ano de 2022, 20,6% do total da população empregada trabalhou de forma remota, destes 30% de forma permanente e os restantes adotando modalidades híbridas. Isto mostra que as empresas portuguesas estão a acompanhar a tendência do mercado geral.
Ainda assim, percebemos, pelas conversas e contactos com clientes, que ainda existe desconfiança entre a vontade de flexibilidade e procura de equilíbrio por parte dos colaboradores, e desconfiança e perceção de risco de produtividade por parte dos empregadores.
Aliás, este mesmo desencontro está bem expresso no WorkTrend Index de setembro de 2022 que assinala os sinais contraditórios entre, por um lado um conjunto de indicadores que expressam um aumento de produtividade das equipas (número de reuniões, horas trabalhadas), e por outro lado a desconfiança que os gestores sentem sobre a produtividade – só 12% sentem confiança total na produtividade da sua equipa no formato híbrido.
Estes indicadores reforçam uma perceção empírica adquirida no contacto com múltiplas equipas que o desenho do Futuro do Trabalho é um tema que permanecerá nas agendas estratégicas de todas as organizações e que a adequação entre as necessidades do Talento e o desenho das organizações será matéria para várias edições do Future.Works.
Quais as principais tendências atuais em matéria de trabalho?
Pegando em títulos de sessões do Future.Works destacaria “Flex is The New Black” – não existem um, dois ou três modelos que sirvam todas as necessidades de todas as pessoas e organizações. A composição entre modelos de trabalho totalmente remotos, com equipas distribuídas por diferentes geografias e fusos horários pode conviver com modelos de empresas a operarem completamente no escritório num modelo tradicional. E, claro, atrás desta flexibilidade todos os temas de comunicação, colaboração, agilidade e liderança que terão de ser adaptados. Assim como todo o tema da atração, contratação e suporte ao talento em função do modelo ou modelos adotados.
Outro tema incontornável é o redesenho do local ou locais onde se trabalha. O que até aqui era pensado como um local de trabalho, raramente está adaptado às necessidades de momentos em que a presença física faz a diferença. Mas se quisermos também podemos ver o futuro no sentido das “Progressive Corps” com modelos organizacionais altamente descentralizados e o surgimento de DAOs – Decentralised Automumous Organizations, que ganham na capacidade de adaptabilidade e transformação a uma envolvente imprevisível e semicaótica, e permitem que o talento floresça com autonomia e colaboração.
Numa dimensão também futura, a tecnologia continuará a catalisar a transformação nos modelos de trabalho e a Web 3.0 e o metaverso prometem trazer o terreno no qual se irão desdenhar as próximas disrupções.