Há 79 anos entrava em vigor a Carta das Nações Unidas.
24 de outubro de 1945 ficou assim para a história como o primeiro dia de um novo sistema multilateral que tinha como grande objetivo evitar a repetição de um conflito com consequências tão brutais como as que o mundo viveu na sequência da Segunda Guerra Mundial. Desde então, a Organização das Nações Unidas (ONU) afirmou-se como fórum principal do diálogo e da cooperação internacionais, contando com 193 Estados-membros e desempenhando um papel fundamental para a promoção da paz e da segurança internacional, dos direitos humanos, do desenvolvimento sustentável, do desarmamento, do combate às alterações climáticas, entre muitos outras áreas que dizem respeito a toda a Humanidade.
A celebração do Dia das Nações Unidas constitui, deste modo, uma oportunidade para relembrar a importância desta agenda comum e para reafirmar os propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas que nos têm guiado nos últimos 79 anos.
A ONU tem agora uma idade respeitável, mas os tempos são outros e é necessário que se renove.
A verdade é que o mundo mudou dramaticamente nas últimas décadas e, tal como o secretário-geral da ONU tem reafirmado incansavelmente, “não podemos construir um futuro para os nossos netos com um sistema construído para os nossos avós.”
Por isso, António Guterres convocou a Cimeira do Futuro, que se realizou no passado mês de setembro, onde os líderes mundiais adotaram um Pacto para o Futuro, um documento inédito e histórico que é o culminar de um processo de anos de negociações para adaptar o sistema multilateral e a cooperação internacional não só às realidades de hoje, mas também aos desafios de amanhã. Um trabalho árduo, cuja implementação começa agora.
A adoção do Pacto demonstra que os países estão empenhados em melhorar o sistema internacional, com as Nações Unidas no seu centro, e que os líderes mundiais desejam um multilateralismo que possa cumprir as suas promessas, que seja mais representativo do mundo de hoje e que aproveite o envolvimento e a experiência dos governos, da sociedade civil e de outros parceiros relevantes.
Com efeito, este Pacto é o acordo internacional, sob os auspícios das Nações Unidas, mais abrangente dos últimos anos, que aborda novas áreas e desafios sobre os quais não era possível chegar a acordo há décadas, assumindo compromissos claros e definindo resultados concretos numa série de temas, com forte atenção aos direitos humanos, à questão da igualdade de género e ao desenvolvimento sustentável.
Uma das dimensões mais importantes deste trabalho que está agora em curso é a transformação da governação internacional para tornar o sistema multilateral mais eficaz, preparado para o futuro, justo e representativo, inclusivo e financeiramente estável.
O documento reconhece, desde logo, a necessidade da reforma do Conselho de Segurança, nomeadamente, de aumentar a representação dos países em desenvolvimento, indicando a vontade de garantir a representação permanente de um país do continente africano. Também assume o compromisso de alcançar a igualdade de género através de medidas que revitalizem a Comissão sobre o Estatuto da Mulher, principal fórum da ONU para as questões de género, e reforça os mecanismos de proteção dos direitos humanos. Por outro lado, os países sublinham a importância para que o próximo líder das Nações Unidas seja, pela primeira vez, uma mulher.
Adicionalmente, este Pacto apresenta o acordo mais detalhado de sempre nas Nações Unidas sobre a necessidade de reformar a arquitetura financeira internacional, para que esta funcione para todos, reflita as necessidades e as realidades económicas de hoje, garanta a participação mais forte dos países em desenvolvimento na tomada de decisões económicas internacionais, nomeadamente através de uma maior representação nas instituições financeiras internacionais e de uma maior mobilização de financiamento dos bancos multilaterais de desenvolvimento.
Neste Pacto todos os Estados-membros da ONU acordaram ainda em acelerar a implementação da Agenda 2030, através de políticas e de investimentos urgentes com o objetivo de acabar com a pobreza e a fome e abordam, pela primeira vez, a necessidade de os países começarem a refletir na agenda do desenvolvimento sustentável para além de 2030.
No que diz respeito às alterações climáticas, o Pacto confirmou a necessidade de manter o aumento da temperatura global em 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, de fazer a transição dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos para atingir emissões líquidas neutras em 2050. Para além disso, explicita a intenção de acelerar esforços em matéria de ambiente, incluindo a promoção de padrões de consumo e de produção mais sustentáveis, a conclusão de um acordo internacional juridicamente vinculativo sobre a poluição por plásticos, a inversão da perda de biodiversidade e a proteção dos ecossistemas.
O documento identifica ainda medidas para reforçar a cooperação internacional para a paz e a segurança internacional, a assistência humanitária, o desarmamento nuclear e estabelece também prioridades para reduzir as disparidades a nível mundial na ciência, tecnologia e inovação, nomeadamente no acesso das mulheres e raparigas. Para além disso, espelha uma vontade clara de reforçar a participação dos jovens na tomada de decisões a nível mundial.
Finalmente, importa ainda destacar o Pacto Digital Global, que completa o Pacto para o Futuro, e que constitui o primeiro quadro global abrangente para a cooperação digital que pretende tornar a internet mais segura para todas as pessoas através de uma maior responsabilização das empresas tecnológicas e das plataformas de redes sociais e ainda de medidas que combatam a desinformação e o discurso de ódio online. Este Pacto inclui ainda um primeiro acordo sobre um plano para a governação global da Inteligência Artificial (IA).
Em suma, começa agora uma nova fase para o multilateralismo que tem como grande objetivo desenhar um sistema de cooperação internacional que espelhe a realidade atual do mundo e os seus principais desafios, porque tal como afirma o secretário-geral da ONU: “um mundo fragmentado necessita de um rumo comum”.
Sherri Aldis, diretora do Centro Regional de Informação das Nações Unidas para a Europa Ocidental (UNRIC)