A opinião de… Flora Pereira da Silva, do Pulitzer Center

A necessidade de reimaginar o futuro para criar um mercado de trabalho sustentável.

A opinião de… Flora Pereira da Silva, do Pulitzer Center

Sem sustentabilidade como norte do mercado, na verdade, pouco podemos falar sobre o futuro do mercado de trabalho. Estamos a passos largos alcançando, antes do esperado, os números limítrofes indicados pela ciência climática para um ponto de não retorno. Neste caminho, as condições de trabalho já mudaram para muitos. Além das secas, incêndios e inundações afetando negativamente os trabalhadores em todo o mundo, vemos agora, os efeitos de calores extremos não suportados pelo corpo humano dentro de escritórios e fábricas mal ventiladas, em grandes obras expostas ao sol e nas motos de estafetas a caminho de suas entregas. Na cidade ou no campo, a interseção entre trabalho e mudança climática é uma questão de vulnerabilidade. O desafio é que, para a maioria dos consumidores e formuladores de políticas, a exploração desses trabalhadores está fora de vista e da mente.

A história dos trabalhadores formais e informais, presos em sistemas onde a força de trabalho é afetada adversamente pelo clima, é ainda pouco contada e, por consequência, com muitas brechas legislativas e com oficiais de governo em despreparo pelo mundo. Não há legislação suficiente que dê conta dos direitos climáticos dos trabalhadores, e muito menos, um sistema de responsabilização quando esses direitos são quebrados. No entanto, quando se fala de um mercado de trabalho sustentável, as conexões entre direitos climáticos e direitos trabalhistas passam longe da discussão, e as relações óbvias entre clima e trabalho são pouco exploradas.

É possível nomear três razões que dificultam o fortalecimento dessa narrativa: de modo geral, o trabalho ainda é visto como uma questão de segundo nível na pauta ambiental, problema acentuado pela concepção dicotômica entre humanidade e natureza na sociedade ocidental; ainda, há um entendimento ultrapassado que põe em assimetria economia e proteção ambiental, que dissuade atores-chave do mercado de trabalho, incluindo os trabalhadores que temem perder seus empregos, de abraçarem novos modelos energéticos mais justos; por fim, as próprias noções de transição justa, descarbonização e economia renovável não dão conta de desvendar o impacto climático nas questões de equidade entre diferentes realidades entre norte e sul global: como falar em transição se, na maioria do mundo, as pessoas estão usando todas suas forças para tatear seus direitos trabalhistas básicos?

Uma mudança de narrativa é um processo coletivo de reimaginar o futuro, e precisa envolver e promover a colaboração entre múltiplos atores. Jornalistas, pesquisadores, legisladores e o mercado de trabalho têm em mãos uma responsabilidade coletiva de melhor explorar essa conexão. Não é possível falar de trabalho e sustentabilidade sem falar de clima e direitos. Seja qual for o futuro mercado, ele precisa estar preparado e se reinventar para criar condições justas para os seus trabalhadores, em um mundo cada vez mais quente.

Flora Pereira da Silva, diretora internacional de Educação e Mobilização no Pulitzer Center

Quarta-feira, 11 Setembro 2024 10:32


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